São Paulo, domingo, 27 de agosto de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Ainda sobre a violência

JUCA KFOURI

O professor do Departamento de Educação Física e Esportes da PUC Ronaldo Ferreira Negrão ilumina o debate sobre os acontecimentos do domingo passado no Pacaembu.
Ele pergunta qual é a diferença entre os conflitos causados pelos grupos religiosos, racistas e de torcedores organizados. E responde que não há diferença.
Todos têm uma concepção totalitária. Uns lutam por seu deus, outros por sua cor e os últimos transformam seus times em algo sagrado, o que os impede de reconhecer qualquer cor que não seja a de seus clubes.
Todos se atribuem ser únicos, intolerantes com quaisquer posições divergentes. Querem aniquilar o adversário, incapazes de perceber até que, sem ele, não há jogo.
Negrão acredita que as torcidas organizadas estão umbilicalmente ligadas à estrutura do futebol e nada é mais totalitário do que essa estrutura. A começar pelo técnico de futebol, que tudo sabe e decide.
Pior ainda é a relação com os cartolas, relação pessoal e de dependência, em função do vínculo escravagista mantido pela Lei do Passe. O que o cartola decidir, o jogador tem de fazer e ai dele se reclamar.
Cartolas não-profissionais, que se dividem entre os que até põem dinheiro do bolso e os que só se locupletam à custa do futebol, promovendo ``uma verdadeira bandalheira". São ``parasitas e os maiores responsáveis pela degradação do espetáculo futebolístico", nas palavras do professor.
Mergulhadas nesse mundo, as torcidas organizadas refletem, em sua selvageria, o que seria melhor ficar oculto. Porque a violência se manifesta também quando a Fifa marca jogos para o período mais quente do dia, como se fez na última Copa do Mundo, obrigando os jogadores a suportar temperaturas superiores a 40 graus Celsius.
Porque a violência está na Lei do Passe, herança da Idade Média. Está na manutenção de uma estrutura que movimenta milhões de reais e na qual os clubes não têm fins lucrativos, está na existência de dirigentes que passam anos e anos em cargos não-remunerados.
A violência está nos meios de comunicação, que pouca atenção dão às condições escravagistas a que os atletas são submetidos e ainda usam expressões que só servem para deseducar o público, como ``matador", ``animal" e por aí afora, sempre na opinião de Negrão -e que a coluna endossa.
Em resumo, não se acabará com a violência sem mudar a estrutura do futebol.

Texto Anterior: Notas
Próximo Texto: Inteligência britânica ataca estratégia antiorganizadas
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.