São Paulo, domingo, 27 de agosto de 1995
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LUCHINO VISCONTI SUSO CECCHI D'AMICO

LUCHINO VISCONTI SUSO; CECCHI D'AMICO

34. Casa do barão de Charlus - interior - noite.
(...)
O barão não se levanta, não estende a mão, nem responde à saudação de Marcel.
Há uma pausa de silêncio embaraçado; depois, Marcel, irritado, pergunta:
Marcel - Devo ficar em pé?
Barão de Charlus - Sente-se na poltrona Luís 14.
Sem olhar à volta, Marcel se senta na poltrona mais próxima.
Barão de Charlus (com ironia) - Ah! Segundo o senhor, esta é uma poltrona Luís 14? Como é instruído.
Marcel não se move, nem responde.
Barão de Charlus - O colóquio que decidi lhe conceder -instado por uma pessoa que não quer revelar sua identidade- significará o fim de nossas relações.
O barão fala pesando as palavras e esquadrinhando Marcel, como a estudar suas reações. O silêncio e a calma de Marcel o exasperam. A voz do barão começa a sair do tom.
Barão de Charlus - Desde meu retorno a Paris, fiz-lhe saber... que digo? A Balbec mesmo... que poderia contar comigo.
Marcel procura intervir para lembrar ao barão a ``cena" com que acabou o encontro dos dois em Balbec.
Marcel- Peço desculpas, mas em Balbec...
Barão de Charlus (interrompendo, agora furioso) - O que havia na encadernação do livro que lhe emprestei?
Marcel - Dois graciosos desenhos...
Barão de Charlus - Evidentemente, entende tanto de flores como de estilo. (Elevando sempre a voz) Não proteste! O senhor não sabe nem sequer sobre o que está sentado. Oferece o traseiro a uma ``chauffeuse" Diretório, em vez de a uma ``bergère" Luís 14. Num dia desses, vai confundir os joelhos da senhora de Villeparisis com uma pia -e sabe-se lá o que fará. O senhor tampouco reconheceu na encadernação daquele livro de Bergotte o painel de miosótis da igreja de Balbec. Haveria um modo mais evidente de dizer-lhe: ``Não se esqueça de mim"?
Agora o barão de Charlus berra, exaltado.
Barão de Charlus - O senhor não era nada. Apesar disso, fui eu quem deu os primeiros passos para ir a seu encontro. Bastou que me distanciasse, porém, e foi como se não nos houvéssemos conhecido jamais. Devo acrescentar que, não tendo nunca uma resposta à proposta que lhe fiz aqui em Paris, a coisa me pareceu tão inaudita que tive a ingenuidade de acreditar em todas aquelas histórias que não acontecem nunca: cartas que se extraviam, erros de endereço... O senhor poderia, ao menos em atenção a minha idade, ter-me escrito duas linhas...
Marcel - (paciente) Juro, senhor, que não pensava em ofendê-lo.
Barão de Charlus - Quem lhe disse que me sinto ofendido? Tem então a presunção de ofender-me? O senhor sabe ou não com quem está falando?
Um momento antes, Marcel tentara acalmar o barão, mas agora perde a paciência. Levanta num salto e se dirige à saída do aposento. Em seu arrebatamento, derruba a cadeira onde estão colocadas a peliça e a cartola do barão.
Para extravasar sua ira, Marcel afasta a cartola com um chute e levanta a cadeira somente para jogá-la no meio do aposento. Escancara então a porta e dá de cara com dois valetes em libré, que estão ali fora a bisbilhotar, ou para proteger o patrão de possíveis ataques.
O barão de Charlus reage de modo surpreendente à fúria de Marcel. Improvisadamente apaziguado, suplicante, corre atrás dele lamentando:
Barão de Charlus - Vamos, não se faça de criança...

Tradução de MANUEL DA COSTA PINTO

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