São Paulo, domingo, 27 de agosto de 1995
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Desarmando a bomba

No Brasil, qualquer projeto que envolva governo, obras e empresários é sempre por definição suspeito. Mas, como acreditar que todos estão o tempo todo tramando contra a população faz mal à alma, conceda-se o benefício da dúvida.
As empresas com escritórios na avenida Luiz Carlos Berrini, na zona sul de São Paulo, uma das mais valorizadas da cidade, decidiram doar à prefeitura um terreno numa área próxima onde irão construir 950 apartamentos para a remoção de parcela da população de uma favela naquela avenida. A remoção, segundo o secretário municipal de Habitação, Lair Krahenbuhl, ocorreria de qualquer forma porque a área será desapropriada para a construção de uma nova avenida.
Como os imóveis comerciais da Berrini serão bastante valorizados com a remoção da favela, nada mais justo do que os escritórios repassarem ao menos parte do que ganharão para a área social, que anda tão esquecida no Brasil.
Aliás, o Estado está num tal ponto de indigência que, aos poucos, alguns setores começam a perceber que, se eles próprios não colaborarem e assumirem alguns dos deveres do poder público, poderão estar armando uma bomba-relógio social cuja explosão teria consequências imprevisíveis, mas sabidamente danosas para seus interesses. De qualquer forma, é animador constatar que diversas empresas e instituições começam a voltar os olhos para os excluídos.
O caso das empresas da Berrini é apenas uma entre as diversas iniciativas que vêm tendo um impacto positivo, ainda que bastante limitado, na vida de milhares de brasileiros marginalizados.
O fosso que separa as classes mais abastadas dos miseráveis tornou-se tão profundo que o Estado, sozinho, já não é capaz de proceder ao necessário atendimento mínimo das demandas dos excluídos. A sociedade como um todo terá de colaborar, sob o risco de deixar de ser uma sociedade na já infelizmente caduca acepção latina do termo, que significa ``aliança", ``união", ``comunidade".

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