São Paulo, domingo, 27 de agosto de 1995
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um extreterrestre no governo

COSETTE ALVES

um extraterrestre no governo
"Tenho uma relação tensa com os hipócritas e são muitos quando você está no governo"

Iniciei a entrevista com o diretor de assuntos internacionais do Banco Central e ele respondia com um tom de enfado. Sua resistência às perguntas era exasperante. Frustrada, comecei a ficar impaciente.
De repente, me deu um "clic" e mudei totalmente. As respostas diferentes, que antes eu interpretara como ausência de respostas, passaram a me entusiasmar. O aparente enfado era uma reação à mesmice de minhas questões.
Falei com Gustavo Franco aceitando os seus e os meus limites; mesmo assim, foi enriquecedor.
Usava terno bege, camisa azul claro, gravata azul escuro. Parece muito com o ator Jack Nicholson. É um Jack Nicholson bonito. Traços finos, nariz esculpido. Barba de uns dois dias por fazer. Fisicamente, está mais para intelectual -ator ou diretor de cinema- do que para economista. Quando tirou os óculos, suas pálpebras me pareceram muito lisas. Como as de um adolescente oriental, mongol ou japonês?
Exala juventude, vitalidade e exotismo que, somados ao seu talento, devem incomodar muito os rivais.
Um tique denunciou uma mistura de excitação e nervosismo. Gustavo Franco tirou do pulso o pequeno Rolex de aço, modelo muito antigo, e o rodou nos dedos. Cerca de uma hora depois, abandonou o relógio na mesa. Pareceu de novo enfadado pela minha obstinada procura do "furo".
Deixei de persegui-lo com perguntas insistentes e "viajei" com ele.
Passeamos à vontade pelo mundo de suas idéias. A mente humana é um outro planeta e ele acredita em vida nos outros planetas. Acredita no Plano Real, acredita que o Brasil já não volte mais para trás. Daquele momento em diante, a entrevista -ou melhor, a viagem- deslanchou.
Muitas vezes, ele não me olhava nos olhos, o que me desconcertava um pouco. Seu olhar passeava dos meus olhos para um ponto fixo ao lado. Esse movimento era feito com tal precisão que me lembrou o olhar de extraterrestres dos filmes de ficção.
Ele é um pouco de outro planeta. As pessoas que fazem política, pensam, defendem suas idéias e, por isso, são atacadas e criticadas e resistem, mantendo a coerência, podem ser chamadas de E.T., extraterrestres.
A tendência da maioria dos homens públicos é dizer uma coisa hoje, outra amanhã e mudarem de partido sem acanhamento. Sempre culpam a imprensa pela divulgação de suas extravagâncias, dizendo-se vítimas de mal-entendidos ou má vontade.
Quanto mais o homem público vira casaca, mais se acha competente. A vida pública exige tolerância, mas a opinião pública aplaude a coerência. O limite entre o jogo de cintura e a viração de casaca é tênue.
Gustavo Franco parece ser coerente com suas idéias, o que pode ser confundido com teimosia e irascibilidade. Quando lhe perguntei se era dogmático, disse enfaticamente que não. Parece que ele cede à lógica, desde que essa tenha consistência.
Transparência
O presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, homenageou Gustavo Franco ao prefaciar seu livro, "O Plano Real". Homenagem pública, pela sua ajuda na histórica fase da elaboração do Real.
O economista me disse, sem falsa modéstia e com transparência, que fez e faz sua parte, mas o único pai do Real é Fernando Henrique Cardoso. Que sem o presidente, nada teria sido possível.
Gustavo Franco falou pouco do passado. Seu presente é tão intenso que o resto está amarelado. Está obcecado por domar a inflação e por três megaprojetos para o Brasil: privatização, ajuste fiscal e abertura.

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