São Paulo, quarta-feira, 6 de setembro de 1995
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A quebra do Econômico e a ação do Banco Central

CARLOS EDUARDO CARVALHO

O Banco Central do Brasil conhecia há muito tempo a gravidade dos problemas do Econômico. Decidiu socorrê-lo, confiando numa solução negociada, com venda ou partilha do controle acionário.
À medida que outros bancos e depositantes melhor informados paravam de emprestar ao Econômico, o BC assumia seu lugar, elevando o comprometimento de seus próprios recursos, ou seja, de recursos públicos.
O torpedeamento do acordo FHC-ACM, portanto, não impediu o uso de dinheiro público para cobrir prejuízos privados. Dinheiro público já estava enterrado no Econômico, continua enterrado lá e dificilmente será recuperado.
A aposta numa solução negociada que evitasse perdas para os depositantes e turbulências na economia não explica o adiamento da intervenção, mesmo quando a imprensa já estampava até os detalhes do fracasso das negociações.
A decisão do BC de manter o Econômico aberto até 11 de agosto viabilizou a fuga de grandes aplicadores, acionistas e diretores: as ordens de saque só podiam se transformar em dinheiro porque o Econômico sacava no BC.
O aumento expressivo do rombo nos últimos dias se fez à custa do dinheiro público e dos depositantes que não fugiram a tempo.
A opção do BC era arriscada desde o começo, inclusive pelos antecedentes dos proprietários do Econômico. Na falta de limites para o montante de dinheiro público que podem pôr em risco, os diretores do BC foram longe demais.
Para driblar o esgotamento das garantias que o Econômico podia oferecer para ampliar seus saques no BCB, chegaram ao absurdo de comprometer recursos do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal. A suspensão dos créditos destes bancos pode ter sido inclusive a senha para a grande fuga do dia 11 de agosto.
A autonomia do BC não evitaria estes problemas, não evitaria uma conduta semelhante em relação a um banco do mesmo porte, com ou sem ligações explícitas com o governo.
Diretores de bancos centrais em geral têm vínculos profissionais, intelectuais e até afetivos com instituições financeiras. Não se deve deixar a eles mesmos a decisão sobre os limites de sua própria atividade nesta área.
É muito simplismo atribuir os erros do BC no caso Econômico à falta de autonomia. Ela não lhe faltou quando decidiu intervir e menos ainda quando, poucos dias depois, a violenta reação de sua diretoria pulverizou o acordo que o governo acertara com ACM. Demonstrou-se ali que o BC pode contrariar com sucesso o Executivo, desde que esteja realmente disposto a fazê-lo.
E houve mesmo pressões do Executivo para postergar a intervenção? A conduta do BC em relação ao Econômico em 1994 deveu-se ao quadro eleitoral ou a considerações macroeconômicas?
E no primeiro semestre deste ano, o que pesou foi a crise mexicana ou a agenda de votações no Congresso? A lentidão da última semana deveu-se a pressões de ACM ou a insegurança quanto ao momento certo para agir?
Se o BC pautou-se em todo este período por análises técnicas, o problema não foi a falta de autonomia; se seus diretores agiram por considerações políticas com que estavam de acordo (interesse na vitória eleitoral do candidato afinado com determinadas teses, conveniência de assegurar estabilidade política com um quadro externo adverso etc), a conduta do BC seria a mesma, com ou sem autonomia; e se o decisivo foram as supostas pressões políticas, que se identifiquem os responsáveis e cobrem-se as explicações cabíveis.
O BC precisa de regras claras que o protejam de ingerências abusivas do Executivo ou do Legislativo. E a sociedade precisa de regras claras que a protejam dos equívocos sempre possíveis na ação dos diretores do BC.
Regras claras sobre os limites de financiamento do BC a qualquer instituição financeira, pública ou privada, sobre as garantias a serem exigidas e sobre o prazo das operações, definindo-se as sanções a que se sujeitam os diretores que as desrespeitem, a menos que venham a ser aceitas as suas justificativas, apresentadas obrigatoriamente em instâncias públicas, de forma que a sociedade possa pedir e receber explicações detalhadas.

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