São Paulo, quarta-feira, 6 de setembro de 1995
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Greve dos carteiros traz alívio temporário ;Maluf

MARCELO COELHO
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Greve dos carteiros traz alívio temporário
Cartas não respondidas atazanam a consciência como visitas que não fizemos e frases intempestivas que soltamos
A greve dos correios me deu uma espécie de alívio temporário. É que tive pelo menos uma desculpa para ficar em falta com a correspondência. Creio que não estou sozinho ao confessar uma enorme preguiça para escrever cartas; maior ainda é a de entrar numa fila de correio.
Isso me deixa mal, porque às vezes recebo cartas de extrema gentileza, comentando um ou outro artigo desta coluna, é dá a impressão que nem liguei para o que escreveram. Ainda mais grave é o caso dos livros que me mandam; autores pedem comentário, e quase sempre descuido de fazê-lo, e nem é porque não tenha gostado. Peço desculpas -mas as cartas não respondidas fazem parte, para mim, daquela variedade de pequenas coisas que ficam atazanando a consciência da gente: visitas que não fizemos, aniversários esquecidos, frases mal-educadas e intempestivas, desatenções com esta ou aquela pessoa...
Acaba de ser lançado um livro do filósofo André Comte-Sponville, "Pequeno Tratado das Grandes Virtudes (ed. Martins Fontes), com textos por exemplo sobre a polidez, a compaixão, a humildade, o humor, a boa-fé -um verdadeiro programa ético, ao que tudo indica. Mais um livro que ainda não li; mas pude ver uma entrevista do autor na TV a cabo, e ele próprio parecia exemplificar, com seu comportamento, algumas das virtudes abordadas.
O título do livro tem algo de irônico, já que não estamos habituados a encarar a cortesia, a gratidão ou a prudência como atitudes tão grandiosas assim. Mas a um "pequeno tratado das grandes virtudes talvez deva corresponder um "grande tratado dos pequenos pecados, ou pelo menos um volume bastante alentado acerca das pequenas culpas. Irritantes, porque no momento mesmo em que a gente se recrimina, sabe que afinal não é tão grave a falta cometida. O poeta católico Charles Péguy (1873-1914) dizia que, para os grandes pecados, é preciso ter alguma grandeza de alma. Provavelmente estava errado; não consigo ver a grandeza de alma de um Hitler; mas o que ele fez tampouco pode ser considerado apenas um "pecado.
Já as cartas insultuosas, mal-educadas, escritas à bile negra, não causam esse tipo de comoção. Recebo algumas divertidas até. Seleciono trechos da que me enviou a leitora Teresa M. da Silva, de Campinas.
Reclamou de um artigo contra os calouros de faculdade que pedem dinheiro nos sinais de trânsito. Supõe que o "renomado jornalista fez "uma grande e promissora Faculdade, como Ciências Sociais em Botucatu, Terapia Ocupacional em Osasco, Psicologia em Bragança Paulista, e que, assim, seria vítima da inveja, "típica da galinha que contempla o vôo da água.
Eu teria criticado os calouros devido "ao típico recalque de alguém que daria o mundo para entrar numa Faculdade de Direito e não conseguiu passar num vestibular... assim é a vida... a seleção natural... os leões governam enquanto o mico se esconde no topo da árvore e passa a vida nas críticas e deboches.
Depois de chamar este Coelho de galinha e de mico, diz que sou um "petista 'revortado'... que desfila na escola de samba do PT, partido que apóia a união conjugal de frangas. Chamou-me também de "mentecapto e "barbichinha; e conclui que este articulista de coelho só deve ter o nome, "pois não reproduz há anos.
Enfim, pediu ao jornal que sua carta me fosse apresentada. "Assim é a democracia, eu li o lixo do artigo dele, ele tem que ler o meu. Missão cumprida.
Já recebi coisas piores. Não me lembro contra que político eu tinha escrito, veio uma carta dizendo apenas: "O que penso de seu artigo está na folha anexa. No envelope, uma folha de papel higiênico sujo! Isso é que é liberdade de pensamento.
Muitas vezes, me arrependo por conta própria do que escrevi. Para citar um caso recente, publiquei artigo furioso contra a "estadualização do Banco Econômico. Fiz o texto numa terça-feira. Quando o artigo saiu, na sexta-feira, a tempestade de início da semana já havia amainado bastante. O ceticismo quanto às declarações do governo, de que não poria um tostão no Banco, poderia manter-se; mas o tom de fato consumado, de escândalo, já não era adequado.
Curiosamente, um leitor -muito simpático, este- chamou a atenção para outra coisa naquele artigo. Eu tinha escrito que "o Estado brasileiro produz corrupção como uma bananeira dá cachos de bananas. A carta observa: "Cada bananeira produz apenas um cacho de bananas. Bem, mas ao longo do tempo, vários. Passemos adiante.

Maluf
O artigo que publiquei na quarta-feira, 23 de agosto, lançava-se a uma interpretação das atitudes do prefeito Paulo Maluf -ele estaria sentindo falta do ódio que a população lhe votou por tanto tempo. Seria por isso, eu dizia, que decidiu desapropriar um terreno no Jardim América para construir uma praça.
Como a praça ficaria perto da casa de Maluf, surgiram suspeitas de que ele estaria pretendendo valorizar sua propriedade. No artigo eu descartava essa hipótese, bastante infantil. Achei que o gosto por medidas polêmicas como essa era contudo inerente à necessidade que ele teria de ser sempre odiado pela população.
O assessor de imprensa do prefeito, Adilson Laranjeira, enviou-me um fax explicando a desapropriação. Cito-o:
1 - O bairro do Jardim América foi tombado no governo Montoro.
2 - No terreno onde será construída a praça havia cinco casarões, o que vale dizer, cinco lotes separados.
3 - O proprietário solicitou da prefeitura, na gestão Erundina, autorização para fundir os cinco lotes num só, para alí construir pequenos prédios com finalidade comercial.
4 - A gestão Erundina decidiu fazer uma operação interligada, ou seja, a fusão dos terrenos e a construção dos edifícios comerciais seria permitida em troca da construção de habitações populares.
5 - Mas legalmente a prefeitura não podia fazer isso. A área se situa entre a avenida Brasil e as ruas Colômbia, México e Peru. De acordo com o zoneamento do bairro, não podem ser construídos imóveis comerciais nas ruas México e Peru. Autorizando o projeto, a prefeitura estaria ferindo a lei de tombamento do bairro e comprometendo suas características urbanísticas.
6 - A atual gestão chamou o proprietário e alertou que no máximo ele poderia construir na parte da avenida Brasil e da rua Colômbia.
7 - O proprietário não concordou. Já tinha começado a demolição dos casarões. A prefeitura decretou o imóvel como sendo de utilidade pública, o que abria o caminho para a desapropriação e evitava o fato consumado, ou seja, que ele construísse em toda a área.
Eis aí. O assunto é meio árido, mas como eu havia escrito que nada justificava a desapropriação, achei importante reproduzir as razões da prefeitura.

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