São Paulo, quarta-feira, 6 de setembro de 1995
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Antropólogo italiano cria o 'etno-cyberpunk'

ELVIS CESAR BONASSA
DA REPORTAGEM LOCAL

Um diálogo entre os punks de Roma com os índios bororo da Amazônia, através da rede mundial de computadores Internet. Uma situação desconcertante que resume, no pensamento do antropólogo italiano Massimo Canevacci (da Universidade de Roma), uma das mais importantes direções do mundo contemporâneo: o convívio das diferenças, potencializado pela tecnologia.
Estudioso dos movimentos de jovens reunidos nos "centros sociais" da Itália (edifícios abandonados que são invadidos pelos jovens, para produzir bens culturais em regime de autogestão), Canevacci analisa uma nova forma de fazer política: desinteressada do poder do Estado, fora do modelo de partidos, voltada para a cultura.
Um mundo que exige conceitos novos: "etno-cyberpunk", "glocal", "sincretismo". Um mundo em que a tecnologia cria o "não-espaço", o espaço virtual como o da Internet.
No Brasil desde a semana passada para uma série de conferências, Canevacci apresentou algumas de suas idéias em entrevista à Folha, concedida na tarde de sexta-feira na casa da filósofa Olgária Matos, em São Paulo. Leia, a seguir, os principais trechos da conversa.

Folha - Qual a novidade política que a juventude dos centros sociais da Itália representa?
Massimo Canevacci - A esquerda da juventude contemporânea não tem uma relação com o passado. Tem algum pedaço de memória, mas socialmente é uma esquerda nova: não há mais a forma do partido. O centro social não tem linha política, não tem fidelidade, não tem autoridade, não tem uma gestão de lideranças. Tem uma autogestão, um conjunto muito diferenciado de práticas, teorias, ideologias, mas não tem um momento de síntese política.
Temos que liberar a política da forma dos partidos tradicionais. A política, uma vez liberada da forma do partido, poderia redescobrir os momentos mais espontâneos e criativos, onde não há linha política, liderança, hierarquia, mas a possibilidade de num contexto bem geral cada pessoa ter a sua visão do mundo, sua prática, e não ter de coordenar-se com alguém.
Folha - Que tipo de projeto político pode surgir daí?
Canevacci - No sentido político, a noção de não-lugar é importante. Não tem mais a utopia. A utopia significava estudar o passado para construir o futuro. O futuro não é uma coisa importante. É o presente, uma dimensão onde não está o projeto ou a utopia, mas a atopia, uma cidade sem lugar. O lugar vai se modificar constantemente. Um lugar pode ser também psíquico, também Internet.
A política não é mais ligada a dimensões sociais. Não há mais uma ligação com classe operária, salário etc., mas com cultura, comunicação, consumo. A cultura num sentido antropológico, de modo de viver, de se vestir. As roupas, os signos, o corpo, tatuagens, cicatrizes, tudo isso tem uma importância fundamental.
Cultura, comunicação e consumo -tal é a política atual. Não para conquistar o poder, mas conquistar espaço, ou não-espaço.
Folha - O que é etno-cyberpunk?
Canevacci - Um dos momentos mais interessantes da contracultura mundial dos anos 80 e início dos 90 foi o cyberpunk, que mistura o movimento punk -o movimento mais radical, mais inovador dos anos 70- com o movimento cibernético, as novas tecnologias.
Mas o cyberpunk tem limitações: não possui conexão com movimentos de populações indígenas -ou nativas, como denominamos hoje. A cultura cyberpunk não enfrentou a questão do "ser outro", as alteridades nativas, em seu momento mais radical da alteridade, a cultura das nações indígenas.
A questão fundamental é como fazer um diálogo -nas respectivas diferenças, nas respectivas autonomias, mas também na vontade de descobrir outros mundos- entre a cultura dos índios bororo, por exemplo, as novas tecnologias, como Internet, e o movimento mais radical da contracultura.
A metrópole pode desenvolver um tipo de cultura mais avançada, estabelecendo um contato com as diferenças, que permaneçam diferenças, mas com as quais ela possa trocar informações, estilos de vida, rituais, músicas.

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