São Paulo, sexta-feira, 15 de setembro de 1995
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As chaves das verbas

JANIO DE FREITAS

As reações dos altos magistrados ao controle externo do Judiciário, aprovado terça-feira em comissão técnica da Câmara, estão sendo confrontadas com uma sucessão repentina de fatos que funcionam como justificativas do controle.
As verbas propostas pelo Judiciário para seus gastos em 96, incluídas no Orçamento mandado ao Congresso pelo governo, contêm aberrações escandalosas. Comecemos pelo montante total do que o Judiciário pretende custar ao país no ano que vem. Para tanto, transcrevo a repórter Denise Rothenburg, em "O Globo":
"O Orçamento da União para 96 reservou R$ 101,6 milhões para a construção de prédios e ampliação de edifícios do Poder Judiciário, valor 100 vezes maior do que o previsto para o atendimento de creches (R$ 1 milhão). As obras nos tribunais custarão cinco vezes mais do que o destinado à assistência à velhice (R$ 20,9 milhões) e estão acima também da previsão orçamentária para construção de habitações urbanas (R$ 89,5 milhões) e defesa contra as secas (R$ 17,2 milhões)".
Aí, ressalte-se, está só o correspondente à vocação empreiteira dos altos magistrados. Mas o levantamento, feito pela assessoria do senador Eduardo Suplicy, descobriu maravilhas também nas demais verbas solicitadas pelos altos magistrados. A assistência médico-odontológica, por exemplo, requer R$ 103,9 por funcionário do Supremo Tribunal Federal, mas para cada um do Tribunal Superior do Trabalho destinam-se R$ 523,4. O problema, vê-se, não é bem de saúde. É, porém, em dois outros casos, se bem que de saúde mental, com implicações no comportamento moral: o TRE do Amazonas reivindica, para a mesma assistência, R$ 4.477 por funcionário, 43 vezes mais que o funcionário do STF; e o TRE do Rio, cuja doença sempre pareceu estar mais nas apurações e nos boletins eleitorais, quer R$ 1.801,30 por cabeça, 17 vezes mais do que o servidor do STF.
O presidente do TRE do Rio é um dos que reagem com energia ao controle do Judiciário, propondo que, em caso de aprovação final, "os 10 mil juízes devem fechar os tribunais e entregar as chaves para os parlamentares".
Não explicou se entregaria as chaves do atual e belo prédio do TRE ou já do prédio que ele quer construir, prosseguindo na empreitada com que encerrou seu período na presidência do Tribunal de Justiça flumimense -uma obra cuja concorrência teve o resultado aqui publicado com antecedência. Nem está claro se a verba de assistência será aumentada para atender às 400 e tantas admissões pretendidas pelo TRE do Rio, cujos planos incluem até a criação de uma "guarda eleitoral" -permanente, é claro, embora as eleições não o sejam.
Dizer coisas que desagradam os altos magistrados sempre acaba em represália, mais cedo ou mais tarde. É claro, portanto, que devemos reconhecer a sabedoria e a probidade que inspiraram a definição das verbas citadas e das não citadas. Sobretudo são improcedentes, pois, as observações sobre gastos médico-odontológicos, mais do que justificados: o Judiciário está bem doente, mesmo.

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