São Paulo, sexta-feira, 15 de setembro de 1995
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Pecado vermelho vem dos EUA

NINA HORTA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Um gourmet de quatro costados nem às paredes confessaria, no escuro da noite, que adora batatas fritas com catchup. É a grande culpa americana, o pecado vermelho que se derrama dos EUA pelo resto do mundo. É o pecado brega. É perverso, é vulgar, é bom demais!
E irreversível. Um pecado que não tem volta. São vendidos, para os norte-americanos, só para eles, novecentos milhões de vidros. Novecentos milhões de vidros por ano... Não dá mais para esconder.
Mas é possível tentar defender o catchup. Ele tem brasão, tem bandeira, tem origens. Chinês, malaio, indonésio. Catchup, catsup ou ketchup, a palavra é genérica para molho salgado, geralmente feito de peixe e fermentado.
Edith Wharton, ("A Idade da Inocência"), em sua autobiografia, lembra-se com saudade das empregadas em Nova York, vestidas ainda um pouco como escravas, grandes turbantes coloridos na cabeça, fazendo uma comida sazonal esplêndida, que saía da cornucópia de ingredientes maravilhosos ao dispor de todas as famílias da cidade.
Quando chegava a hora dos perus, eram cozidos em catchup de ostras, especialíssimo, exótico. (Achei uma boa idéia. Os perus andam sem gosto e em qualquer loja da Liberdade podemos encontrar molho de ostras.)
O catchup de tomate era apenas uma variedade entre o de nozes, cogumelos, ameixas. Foi o que deslanchou por influência do Novo México.
Uma vez fui a uma degustação do molho. Juízes sentados lado a lado e em frente a uma cumbuquinha de vidro e uma colher de osso. Entre as provas, para limpar a boca, uma bolacha cracker sem sal e uma garrafa de club-soda.
Os critérios para a escolha eram: a cor, que deve ser vermelho vivo (o vermelho muito escuro denota má qualidade ou prazo vencido e o vermelho pálido, um mau tomate); o paladar deve estar no justo equilíbrio (o tomate é apenas o veículo do sabor e não pode aparecer demais; nenhum ingrediente tem o direito de sobrepujar o outro; açúcar, vinagre, pimenta, tudo no seu exato ponto de doce-azedo); a consistência, que precisa estar entre o líquido e o sólido (não pode escorrer da bolacha para o prato, nem se agarrar nela, viscoso).
E o retrogosto... Pois pode-se falar em retrogosto, como nos vinhos. O ano do tomate mais maduro, doce e suculento trouxe a melhor safra. 1983! Colecionadores, a postos!
Mas vamos a uma receita muito simples de molho, para comermos com batatas fritas, um casamento talhado no céu.
Descasque e pique 5 kg de tomates muito maduros -mas não moles-, três cebolas de bom tamanho e dois pimentões vermelhos sem sementes. Se quiser, meio dente de alho.
Cozinhe tudo isso em fogo baixo, até ficar macio. Passe por peneira fina. Leve ao fogo de novo por meia hora.
Junte um saquinho de temperos com 3/4 de xícara de açúcar mascavo, um pau de canela, uma colher de chá de pimenta da Jamaica, uma colher de chá de sementes de salsão, uma xícara de vinagre, uma colher de sopa de sal, duas colheres de chá de páprica, 1/4 de colher de chá de pimenta vermelha em pó. Cozinhe até engrossar. Mexa bem. Retire o saco de temperos. Rende de seis a oito xícaras.

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