São Paulo, sexta-feira, 15 de setembro de 1995
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Os sem-terra e os sem-vergonha

JOSIAS DE SOUZA

BRASÍLIA - A disputa por terras no Brasil é um fenômeno tão antigo quanto o Tratado de Tordesilhas. O que faz da reforma agrária um dos temas mais longevos da pauta de problemas do país.
O assunto frequenta discursos de políticos e páginas de jornais. Só não chega ao campo. Governantes pré e pós 64 prometeram resolver a questão. Desmoralizaram-se todos.
Também o governo do professor Cardoso está a caminho da perversão nessa matéria. Prometeu assentar 40 mil famílias em 95. Contando com as desapropriações feitas no ocaso da gestão Itamar, distribuiu 12 mil títulos de terra até agora. Tem três meses e meio para livrar-se da pecha de mentiroso.
O temido MST (Movimento dos Sem-Terra) perdeu a calma. Decidiu buscar na marra a partilha de terras que, a exemplo dos antecessores, Fernando Henrique incluiu em seu programa de governo.
Corumbiara (RO), Buritis (GO), Nova Xavantina (MT)... Eles estão de volta. Com suas barracas de plástico preto, foices, facões e enxadas, os sem-terra resolveram intensificar as invasões de fazendas.
No momento, há no país 90 invasões. Ou ocupações, como preferem os líderes do movimento. Um número baixo, se comparado ao total de trabalhadores que reivindicam um pedaço de solo para plantar: 12 milhões.
Intensificou-se em Brasília a produção de relatórios reservados do governo sobre a movimentação dos sem-terra. Sobretudo depois que o problema se aproximou da porteira da Agropecuária Córrego da Ponte, a fazenda do presidente.
A papelada oficial utiliza uma ultrapassada linguagem ideológica. Diz, por exemplo, que o PT e a CUT estão por trás das invasões. Algo que qualquer criança de colo sabe.
Se o que incomoda o governo é a manipulação da massa de lavradores pelo petismo, o problema é de fácil solução. Basta que o presidente faça a reforma fundiária. Amanhã, os com-terra estarão nos braços do PSDB.
Num país vasto como o Brasil, a presença de homens sem-terra só se explica pela ação de um outro agrupamento: os sem-vergonha. Governos que, um após o outro, se recusam a levar dignidade ao campo.

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