São Paulo, domingo, 17 de setembro de 1995
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Era só uma indiazinha

JANIO DE FREITAS

Na sucessão de suicídios de índios no Mato Grosso do Sul, o caso mais recente, desta semana, foi de uma menina. Tinha nove anos, meu Deus. Enforcou-se. Nos últimos dez anos, foram 183 suicídios. Só neste ano, são já 36. A média de 18 por ano passa, até agora, para 54. Sob o mesmo desinteresse do governo, dos "cientistas sociais", sob o mesmo desinteresse geral.
Por que estão aqueles índios cometendo suicídio? Não se sabe. Só há, por falta da atenção necessária, hipóteses vagas: matam-se em reação ao roubo de suas terras, matam-se por não suportar o sentimento de confinados. São hipóteses que presumem consciências índias de adultos, não de crianças. Porque crianças são crianças em qualquer raça. Mas agora foi uma criança de 9 anos que se matou.
Exceto no falatório caudaloso, o "cientistas social" levado à Presidência ainda não demonstrou interesse pelos índios. Mas Ruth Cardoso é antropóloga, é, como dizem nas universidades, "da área". Talvez se interesse pela iniciativa de mandar aos índios de Mato Grosso do Sul alguém que possa entendê-los, como os monumentais irmãos Villas Boas. E que traga as providências capazes de evitar-lhes o sentimento tão desesperado da infelicidade.
Pendido de uma árvore, o corpo da indiazinha tornou-a uma Anne Frank brasileira. Como a menina holandesa cujo diário, quando descoberto, tornou-se a mais eloquente denúncia do genocídio nazista, a indiazinha denuncia 150 milhões de "civilizados".
Preconceito
Os novos anúncios contra Aids não estão à altura do ministro Adib Jatene, cujo ministério é o responsável final pela campanha. Não basta aos anúncios confundir gaiatice cafajeste e humor. São, também, indecentemente preconceituosos.
Dizem os autores e os responsáveis pelos anúncios que a linguagem adotada se deve a que a campanha é dirigida às classes C e D. Como defesa pretensamente técnica, o argumento é tolo: as campanhas comerciais dirigidas àquelas classes têm alcançado grande eficácia sem, no entanto, recorrer à pornografia.
Mas a explicação é coerente com os anúncios em outro aspecto: o da premissa preconceituosa de que homens e mulheres das classes C e D só compreendem a linguagem cafajeste, obscena, pornográfica.
Os autores e responsáveis pelos anúncios têm empregados. E com que linguagem essas nobres pessoas da classe A se fazem entender por seus empregados? E como são por eles tratados? Pela explicação e pelos anúncios, pode-se imaginar.
A eficácia do humor na publicidade está mais do que comprovada. A cafajestice ainda não se mostrou eficaz em coisa alguma. Os anúncios só vão produzir o que já estão disseminando: gracinhas grossas. No mais, a campanha não passa de uma indignidade abominável.
Justiça de classe
Reforço factual à luta do admirável deputado Hélio Bicudo para que os PMs, oficiais ou soldados, quando acusados de crimes sejam julgados, não pela Justiça Militar, mas pela Justiça Criminal: foi preso agora com um carro roubado o capitão da PM fluminense Roberto Argolo de Araujo, que não é qualquer um.
Já em setembro de 93 o capitão foi preso com um carro roubado, além, como também agora, de documentos e chaves próprios de ladrões. Preso com todas estas evidências, foi condenado pela Justiça Militar a apenas um ano e dois meses. E dispensado de cumprir a pena. Ficou livre para continuar como oficial da PM e para andar em outros carros roubados, até sua segunda prisão.
Simbólico
O banqueiro de bicho José Petrus não precisou dizer uma palavra, ao ser transferido de uma cadeia, onde instalara algum conforto denunciado pelos meios de comunicação, para outra da barra pesada. Aguardado pelas câmeras, apareceu com uma camiseta que tinha no peito o emblema da Globo.
Houve, depois, quem preferisse não divulgar a imagem. No silêncio de Petrus, era eloquente demais.

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