São Paulo, domingo, 17 de setembro de 1995
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Para intelectuais, novas igrejas são 'fast-food' da fé

FERNANDO DE BARROS E SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Uma espécie de "fast-food" da fé. É assim que os intelectuais que estudam as igrejas neopentecostais tentam explicar o êxito que elas alcançaram no Brasil e fora dele.
Promessa de salvação instantânea, intimidade com o dinheiro, tolerância em relação aos costumes dos fiéis, organização empresarial sofisticada, exploração dos meios de comunicação de massa e técnicas de persuasão enérgicas fazem dos neoevangélicos o McDonald's da religião contemporânea.
O sociólogo Flávio Pierucci, do Departamento de Sociologia da USP e estudioso do assunto, diz que os novos evangélicos, sobretudo a Igreja Universal do Reino de Deus, "sabem como ninguém se virar no mundo dos negócios, ao contrário da Igreja Católica".
Eles não têm culpa, diz Pierucci, "lidam com o dinheiro como algo legítimo, positivo e muito desejável. Você não desmascara um pastor quando diz que ele arranca o dinheiro dos pobres. Ele vai responder que é assim mesmo, que ele também deu tudo a Jesus e por isso recebeu de Jesus em dobro".
Há uma palavra, segundo Pierucci, que resume o sucesso dos empresários das igrejas evangélicas: flexibilização. "É a palavra mais em moda no meio empresarial e ninguém aprendeu seu significado mais rápido do que a Igreja Universal", diz.
Enquanto o protestantismo tradicional impunha restrições de toda ordem aos fiéis, os neopentecostais trataram de se adaptar aos hábitos de uma época permissiva.
Assim, se tradicionalmente o slogan era "crente não participa de política", hoje o lema é "irmão vota em irmão". Da mesma forma com o esporte, em que proliferam os atletas de Cristo, e o rock, que deixou de ser "coisa do diabo" para inspirar várias bandas evangélicas.
O sociólogo Ricardo Mariano, que acaba de defender dissertação de mestrado intitulada "Neopentecostalismo: os pentecostais estão mudando", vê na promessa de alívio imediato dos fiéis um dos pilares do sucesso dessas igrejas.
Ao contrário da Igreja Católica, que solicita das pessoas um longo caminho de privações e culpabilização em troca de uma salvação futura e impalpável, os neoevangélicos, diz Mariano, apostam na lógica fulmimante da conversão.
"São religiões de transe e de êxtase, que atraem para a conversão principalmente aquelas pessoas que querem livrar-se de um passado que consideram nebuloso. É um prato cheio para atrair presidiários, alcoólatras, prostitutas, viciados", afirma.
O dominicano frei Betto, ligado à Teologia da Libertação, lembra que a formação de um sacerdote na Igreja Católica pressupõe quatro anos de estudos de filosofia, mais quatro anos de teologia e "a heróica exigência do celibato".
Os evangélicos, diz ele, formam seus pastores em três ou quatro meses, "valorizando a espontaneidade com um sistema mínimo de hierarquia, aberto a homens analfabetos e até mesmo a mulheres".
Segundo frei Betto, até mesmo a arquitetura dos templos está ligada à lógica empresarial. Enquanto as igrejas católicas ficam no alto de escadarias e passam a maior parte do tempo com as portas fechadas, os templos evangélicos "na sua maioria têm as portas abertas sobre a calçada, como bocas famintas de fiéis".
A liturgia dos cultos católicos, prossegue o dominicano, "é determinada com rigidez e frieza. Nas pentecostais, toda emoção encontra espaço para se expandir".
O historiador Boris Fausto, da USP, prefere falar em "terapia para pobre". "Numa época em que as utopias do mundo laico entram em crise, esse tipo de apelo emocional torna-se irresistível para os que não têm mais nada a perder".

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