São Paulo, domingo, 17 de setembro de 1995
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O grito e a cesta

ALOIZIO MERCADANTE

No dia 7 de setembro, a pastoral social da CNBB, com o apoio de movimentos populares e sindicais, promoveu grandes concentrações populares em todo o Brasil: o "Grito dos Excluídos: contra o desemprego, a corrupção e pela reforma agrária e distribuição de rendas".
O ato mais representativo foi em Aparecida do Norte, onde D. Demétrio Valentini, do altar, proclamou: "O sistema neoliberal é frio. Contempla as riquezas deste país para poucos". D. Mauro Morelli fez um chamamento à retomada das grandes mobilizações. "O Brasil sempre evoluiu quando o povo vai às ruas... o panelaço precisa chegar a Brasília, porque o povo continua com as panelas vazias... " e D. Angélico protestou contra o modelo econômico que "condena à marginalização milhões de pessoas".
A Igreja Católica retomou sua trajetória histórica de compromissos com os excluídos e assumiu mais ofensiva a crítica à política econômica do governo.
Paralelamente, os metalúrgicos do ABC, liderados pela CUT, mas com apoio de prefeitos e entidades empresariais e populares da região, realizaram uma grande manifestação de massa: "Brasil, cai na real".
A Força Sindical também fez um ato em Osasco e lançou um manifesto com apoio de importantes entidades empresariais de todo o país na mesma direção, pelas reformas e contra a recessão.
A recessão chegou às ruas, impulsionada pela inadimplência generalizada, pelas concordatas e falências. A recessão se manifesta com toda a sua brutalidade nos índices alarmantes de demissões. Agora até os economistas conservadores e a imprensa "chapa branca", presos artificialmente aos detalhes dos manuais da ortodoxia econômica, reconhecem que a recessão está instalada e em desenvolvimento.
Mas o governo conseguiu equilibrar o balanço comercial, praticando uma taxa de câmbio sobrevalorizada e as maiores taxas de juros da economia internacional, e acumular reservas cambiais da ordem de US$ 46 bilhões.
Enquanto o povo começa a voltar para as ruas e a oposição popular mostra sua força, a âncora cambial é revigorada pela recessão, que afasta o risco de crise cambial com um elevado custo econômico e social.
O equilíbrio do balanço de pagamentos se verifica a partir de uma articulação entre taxa de câmbio e de juros, que continua estimulando as importações predatórias, inibindo exportações, endividando brutalmente o país e desarticulando parte de sua estrutura produtiva.
Mas o grito das ruas não chegou ainda aos ouvidos seletos do Planalto. Não chegou porque o governo e sua política econômica mantêm sua base de sustentação na estabilidade econômica. A cesta básica continua estável e esta é uma conquista importante para o governo e para todo o povo brasileiro. Mesmo com os salários arrochados e o desemprego crescente, uma parte da população ainda se mantém em silêncio pela estabilidade da cesta básica.
O neoliberalismo não é apenas um ajuste econômico, é também uma nova relação entre ética, economia e política, onde a competitividade, o consumismo e a eficiência se impõem à solidariedade, ao emprego e à justiça social. Os que estão empregados são estimulados a terem como referência maior os salários e a cesta básica, e não o compromisso com os que já foram demitidos.
O desemprego e a exclusão social são os grandes desafios dos que têm compromisso com a ética, como as igrejas, e foi por isso que D. Paulo Evaristo Arns mais uma vez assumiu uma posição profética quando afirmou: "Os que têm compromisso com os excluídos são contra o modelo neoliberal", gerando uma onda de protestos, especialmente na grande imprensa, dos porta-vozes da "modernidade" neoliberal.
O governo pode capitalizar politicamente a estabilidade da cesta básica. Porém, a agricultura deu mais do que podia. A descapitalização do setor pode chegar a 25% da renda agrícola, aproximadamente R$ 9,6 bilhões, promovida pela estabilidade prolongada dos preços em um contexto de supersafra, pelas perdas nas exportações em função da política de sobrevalorização cambial e das taxas de juros que esmagam os produtores do campo.
Com isso, o consumo de sementes, fertilizantes, insumos, tratores e equipamentos é muito significativo e parte da safra de 1996 já está comprometida. Agora, é torcer para que São Pedro escute o grito dos excluídos na catedral de Aparecida padroeira e ajude a agricultura brasileira.
Porque este país é exportador e não tem estrutura portuária para importar alimentos em grande escala e nem estoques reguladores para compensar uma quebra mais significativa na safra. A inflação na cesta básica pode voltar e, junto com a recessão, projetar uma conjuntura muito difícil para o país, caso São Pedro não ajude.
Por tudo isso, o governo precisa agir com mais rapidez, investir na produção agrícola enquanto é tempo e abrir espaços de negociação em relação à política econômica para reverter o processo recessivo, porque, como diz o velho ditado, quem semeia vento, colhe tempestade.

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