São Paulo, domingo, 17 de setembro de 1995
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Previdência sem privilégios: 92,6%

ANTONIO KANDIR

Este foi o percentual de pessoas que se declararam favoráveis à revogação de aposentadorias privilegiadas de servidores públicos, algumas superiores a R$ 40 mil mensais, em enquete realizada pelo "Globo Repórter" que foi ao ar no dia 8 de setembro último.
São sinais da maior importância para definir o caminho da reforma previdenciária, que agora volta a tramitar no Congresso, com a instalação, na semana que passou, da comissão encarregada de examinar o mérito das propostas existentes.
Há duas coisas a observar a partir dos resultados da enquete. Em primeiro lugar, acabou definitivamente o tempo da complacência aberta ou envergonhada com relação a privilégios. Enraizou-se na opinião pública a noção de que, não sendo possível distribuir privilégios a todos e havendo ônus nos privilégios concedidos, alguns pagam pelos privilégios de outros e quase ninguém está mais disposto a fazê-lo -uma mudança da maior importância na tradição cultural e política do país.
Em segundo lugar, a rejeição da opinião pública dirige-se, no caso, contra um alvo em que o problema moral do privilégio está associado a problemas financeiros de grande monta.
De fato, as maiores distorções do sistema previdenciário estão no setor público, onde acúmulo de vantagens várias, algumas obtidas à base de interpretações extravagantes da legislação, promovem transferência de renda socialmente perversa e insustentável do ponto de vista fiscal.
A transferência de renda ocorre sobretudo entre trabalhadores ativos do setor privado e inativos do setor público, a favor destes. Muito especialmente a favor de algumas poucas corporações e categorias profissionais, visto que a maioria dos servidores aposentados recebe benefício de valor modesto.
Quanto à insustentabilidade fiscal desse quadro, os dados relativos ao governo federal, que não representa caso excepcional em relação aos governos estaduais e municipais, são eloquentes. Para um gasto com benefícios da ordem de R$ 12 bilhões em 1995, tem-se uma receita não superior a R$ 2 bilhões, ou seja, um déficit de cerca de US$ 10 bilhões/ano.
Esse déficit vem crescendo ano a ano. Em 1989, os gastos com inativos da União representavam 0,9% do PIB. Hoje representam 2%. Em 1996, estima-se que o gasto do Tesouro Nacional com inativos passará a 40% do total de gastos com pessoal e encargos. Em 1989, esse percentual era de 23%. Em suma, se nada for feito, estará seriamente comprometida a situação fiscal da União a médio prazo.
Para desarmar essa bomba-relógio, que já provoca grandes estragos, sendo o principal o de subtrair recursos do investimento social, há muito que se fazer do lado da receita, por exemplo, restabelecendo a contribuição sobre aposentados e pensionistas, conforme projeto de lei já encaminhado pelo Executivo.
Mas há também que se atacar o problema pelo lado do gasto. Uma das formas de fazê-lo é apoiar decididamente a proposta da emenda de reforma administrativa, que estabelece a inclusão do artigo 250 nas Disposições Gerais da Constituição Federal e do artigo 75 nas Disposições Transitórias.
No texto proposto para o artigo 250 fica estabelecido que nenhum servidor público ativo ou inativo, em qualquer nível de governo, em qualquer um dos Três Poderes, incluídos os seus membros, receberá remuneração, proventos ou pensões superiores ao salário do presidente da República, hoje de R$ 8.500,00.
A proposta de inclusão do artigo 75 nas Disposições Transitórias reforça o espírito da emenda constitucional, ao vedar a possibilidade de que servidor inativo receba proventos ou pensões superiores ao salário da ativa, não se admitindo percepção ou manutenção de excesso a qualquer título.
Pelos interesses que ferem, os artigos 250 e 75 deverão despertar controvérsia no Congresso Nacional. Será boa oportunidade para a opinião pública verificar quem tem compromisso verdadeiro com o fim de privilégios. Se aprovada, representará passo importante em si mesmo, além de abrir caminho para avanços na correção de outras distorções do sistema previdenciário e da administração pública no Brasil.

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