São Paulo, domingo, 17 de setembro de 1995
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Balé mecânico na era da eletrônica

AUGUSTO DE CAMPOS

Antheil catalizou e potencializou experiências com ruídos e silêncios dos antecessores, numa fase em que Stravinski já estava trafegando no neoclassicismo

base na suposta influência das glândulas endócrinas, e um sobre a Segunda Grande Guerra (cuja eclosão antecipou em artigos jornalísticos).
Das óperas "Transatlantic" e "Helen Retires" -esta apresentada em Nova York, em 1934- pouco se sabe, nem consta que tenham sido gravadas. Pouco se conhece também sobre a sua produção posterior, embora o consenso geral seja de que constitua um regresso estético. Esta é a impressão que fica da audição do insosso "3º Quarteto de Cordas" (1948) e até mesmo do "2º", já neoclássico e beethoveniano (de 1927, mas revisto em 1943), recentemente gravados, com o "1º Quarteto", de 1924, pelo The Mondriaan Street Quartet (Etcetera, 1993). Segundo Gilbert Chase, que classifica "Transatlantic" como "sátira contra a alta finança e a corrupção política, Antheil pretendia que ela fosse "a primeira ópera política moderna; quanto a "Helen Retires", assinalando-lhe a disparidade de estilos, que vão "da comédia musical à dissonância moderna, concede que merece um lugar dentro da nova tradição da ópera realista americana. Escrevendo em 1952, Juan Carlos Paz, que filia o compositor ao futurismo italiano, mas não lhe nega originalidade ("soube extrair consequências aproveitáveis para a sua própria causa de um ponto de vista estético pessoal: algumas vezes desenfreadamente pessoal), vê a sua obra estacionária e sem saída, caracterizando como "neoclassicismo duvidoso e pouco convincente a fase posterior ao futurismo inicial e à etapa em que se orienta para uma aplicação da música derivada do jazz (que julga superior à derradeira).
Informa Paz que "Transatlantic" foi dedicada a Ernst Krenek, o que faz pensar em alguma relação com "Jonny Spielt Auf", a ópera-jazz que o compositor austríaco encenou com enorme sucesso a partir de 1927 e que veio a ser proibida, posteriormente, pelo nazismo como "Entertate Musik, ou música degenerada (2). Pound referiu-se a "Transatlantic" como "a primeira grande ópera americana no mesmo texto em que desmentiu publicamente que ela lhe houvesse sido dedicada. Assistiu à estréia, trazendo em sua companhia o famoso africanólogo germânico Leo Frobenius. Este chamara a atenção para a complexidade da linguagem dos tambores africanos e Pound queria que ele "distinguisse entre os dois Barbarismus... Segundo o poeta, o antropólogo não achou a ópera satírica, mas ingênua, ainda que interessante como manifestação cultural; questionou o uso de instrumentos nobres para música "democrática e proletária e alguns dias depois levou Pound e Antheil para verem um "mecanismo eletrônico para gerar novas sonoridades.
Afirma R. Murray Shafer ("Ezra Pound and Music - The Complete Criticism", 1977) que as relações entre os dois começavam a esfriar e acabaram se interrompendo. Em sua autobiografia de 1945, Antheil se desidentifica do poeta e chega a queixar-se (e não sem certa razão) de que ele o prejudicou com sua linguagem "calculada para antagonizar todo mundo e os seus excessos admirativos: "Ninguém podia ser um décimo tão bom quanto Ezra me fez. O poeta, porém, nunca deixou de relembrá-lo com afeição. Em "Guide to Kulchur" (1952), volta a defendê-lo: "Moralistas musicais amaldiçoaram na minha presença esse garoto muito malvado, George Antheil. Ele foi para o inferno e para Hollywood, um 'talento submedeiano' (n.t., alusão a Medéia, que, na mitologia grega, ajudou Jasão a apossar-se do velocino de ouro), fez de si mesmo um bufão e virou alguém. Tinha instrução imperfeita em música, em letras, em todas as coisas, mas não obstante, reivindicou certa vez pedaços de SOLIDEZ, pedaços curtos e duros de ritmos martelados, castigados até que eles se tornassem indestrutíveis e inflexíveis.
Ao ouvir, hoje, os ecos pitorescos dos concertos espaventosos dos anos 20, é natural indagar se estamos diante de mero fogo de artifício para "escandalizar a burguesia -ingrediente indispensável a algumas intervenções da vanguarda histórica- ou se há nessa obra algo de mais duradouro e significativo.
A verdade é que a recepção da música de Antheil se dividiu abismalmente entre as grandes pretensões do compositor (e de seu principal propagandista, Ezra Pound) e a reserva de críticos e colegas (boa parte dos quais mal ouviu ou ouviu mal as suas criações mais consequentes) quanto a seu valor definitivo.
Em seus diversos artigos sobre Antheil, o poeta chama a atenção especialmente para a "música da máquina (entendida não como

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