São Paulo, domingo, 17 de setembro de 1995
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Na intimidade de Júpiter

RICARDO BONALUME NETO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Nas próximas semanas os cientistas vão ter uma visão mais nítida de um fóssil estelar. Experimentos sofisticados em laboratórios em terra, e uma nave espacial equipada com uma sonda penetradora de atmosfera, vão detalhar a anatomia desse fóssil cuja composição remonta à origem do Sistema Solar, ou mesmo do próprio Universo: o planeta Júpiter.
Os pesquisadores acreditam que o maior dos planetas é feito de matéria semelhante àquela da nébula solar primordial, uma nuvem de gás e pó que deu origem ao Sol e aos planetas, incluindo a Terra.
Essa matéria-prima de mundos também se assemelha ao que existe entre as estrelas e teria surgido logo depois do "big bang", a grande explosão que originou o Universo como ele é agora.
Júpiter é feito, segundo se acredita hoje, de 88% de hidrogênio, 11% de hélio e o resto de um coquetel de água, metano e amônia.
Os maiores planetas do Sistema Solar -além de Júpiter, são Saturno, Netuno e Urano- não passam, portanto, de grandes bolas de gás e líquido com um pequeno núcleo mais sólido. Não há uma "superfície" adequada para uma nave pousar como na Lua ou em Marte.
O planeta tem 1.317 vezes o volume da Terra, mas sua massa é apenas 318 maior.
Júpiter é basicamente uma estrela fracassada. Tem uma composição parecida, mas não o suficiente para "acender" como uma delas. É pequeno demais para que a força gravitacional "esmague" seu hidrogênio a ponto de iniciar uma reação de fusão nuclear (fusão do núcleo de seus átomos), o motor das estrelas.
Apesar disso, Júpiter faz com sua matéria coisas difíceis de reproduzir na Terra. Existem pressões altíssimas em seu interior que fazem com que o hidrogênio, que na Terra aparece na forma de um gás de moléculas compostas por dois átomos, se transforme em metal em cerca de 75% do raio interno do planeta.
Curiosamente, estudar o interior do planeta pode ser mais fácil de fazer na Terra do que visitando o próprio Júpiter. Pesquisas publicadas este mês na revista científica americana "Science" mostram experimentos com o comportamento do hidrogênio em grandes pressões -embora ainda não consigam replicar o interior mais profundo.
Estima-se que Júpiter possa ter pressões da ordem de 50 megabars, ou 50 milhões de bars -ou seja, 50 milhões de vezes maior que a pressão na superfície da Terra (equivalente a 1 bar). A temperatura chegaria a mais de 20.000 graus Celsius.
Experimentos feitos por W. J. Nellis e colegas, do Laboratório Nacional Lawrence Livermore, dos EUA, replicaram em laboratório situações em que hidrogênio líquido atingiu mais de 5.000 graus Celsius e pressões de até 830 quilobars -ou 830.000 vezes mais que na superfície do planeta.
Análise do comportamento do hidrogênio, e sua aplicação às condições de Júpiter, mostraram que "o envelope molecular do planeta é mais frio e tem bem menos variação de temperatura do que previamente se acreditava", afirmaram Nellis e colegas.
Cálculos teóricos feitos por Ali Alavai e colegas, da Universidade Cambridge, do Reino Unido, concordam com o resultado e as interpretações dos experimentos, de que é preciso alterar os modelos que explicam o interior de Júpiter.
Uma contribuição "superficial" virá da sonda espacial Galileo, que chega em Júpiter no próximo dia 7 de dezembro.
A nave maior fará estudos em órbita, mas uma sonda menor penetrará no próprio planeta.
Essa sonda atmosférica vai descer algo entre 130 km e 160 km abaixo da camada de nuvens jupiteriana até ser esmagada pela pressão, meros 20 bars a 30 bars. A superfície propriamente dita, a massa rochosa, fica algo como 60 mil km abaixo dessas nuvens.
Mas essa "arranhada" no planeta, ao mostrar do que ele é feito, a proporção entre os elementos, poderá ajudar na compreensão do que está abaixo -auxiliando novos experimentos em terra sobre o "fóssil".

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