São Paulo, domingo, 17 de setembro de 1995
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'Trabalhamos com a pressão do público'

OTÁVIO DIAS
DO ENVIADO ESPECIAL A AMSTERDÃ

Leia outros trechos da entrevista de Thilo Bode.

Folha - O Greenpeace enfrenta problemas financeiros e terá de cortar funcionários. Como as atividades serão financiadas?
Thilo Bode - Nas duas últimas campanhas -contra o afundamento da plataforma de petróleo Brent Spar e os testes nucleares no Pacífico Sul-, utilizamos reservas, porque achamos que eram duas campanhas muito importantes.
Mas essas reservas não vão durar para sempre. Temos que garantir que nossos gastos sejam cobertos pela entrada de recursos.
Folha - O Greenpeace sempre rejeitou doações de governos e de empresas. Será possível manter essa política?
Bode - Sim, independência é fundamental para o Greenpeace. Se tivéssemos recebido dinheiro do governo britânico ou da Shell, não poderíamos ter atuado como atuamos no episódio Brent Spar.
Se tivermos uma boa performance, poderemos receber recursos suficientes do público.
Folha - Mas o número de contribuintes diminui desde 1990.
Bode - Sim. Parte por razões externas, parte por motivos internos. Tivemos dificuldades nos EUA, onde houve um recuo na política ambientalista durante os governos republicanos.
Por outro lado, cometemos erros internos. Em alguns países, não estamos levantando questões atraentes para o público.
Além disso, a organização cresceu muito rápido no passado, o que criou problemas administrativos. Daqui para a frente, tentaremos crescer em termos de contribuintes e de campanhas, mas não em termos de pessoal.
Folha - O pedido de desculpas à Shell após a campanha de Brent Spar comprometeu a imagem e a credibilidade do grupo?
Bode - Acho que aumentou nossa credibilidade, porque descobrimos que havíamos cometido um erro e o admitimos. Uma organização que tem como objetivo informar o público tem que ser muito confiável.
Folha - Quando o Greenpeace escolhe o alvo de uma nova campanha, o que é mais importante: um estudo das consequências de determinada ação no meio ambiente ou o efeito da campanha junto ao público?
Bode - Primeiro, definimos áreas de atuação, como, por exemplo, proteger a biodiversidade. Depois, escolhemos objetivos mais específicos, como proteção das florestas.
Agora vem o importante: se temos cinco possíveis campanhas, escolhemos a que parece estrategicamente mais efetiva, não necessariamente aquela que, cientificamente, seja mais fundamental.
Folha - Por quê?
Bode - Porque trabalhamos com a pressão do público. Não atuamos de forma direta, não fazemos leis, não estabelecemos direitos.
Folha - Nos últimos anos, o Greenpeace tem se dedicado cada vez mais a fazer lobby junto a governos, instituições e organizações internacionais. Um exemplo foi o apoio do chanceler (premiê) alemão, Helmut Kohl, à campanha da Brent Spar. Os governos são aliados confiáveis?
Bode - Nós não fizemos lobby junto a Helmut Kohl. Ele apoiou porque a campanha tornou-se popular na Alemanha. No entanto, toda campanha tem que ter como meta o estabelecimento de uma nova lei internacional ou nacional.
E isso é definido em reuniões internacionais e em fóruns políticos. Temos, portanto, de estar presentes nesses locais. O trabalho político, no entanto, precisa ter o suporte de campanhas.
Folha - O que o significa quando o sr. diz que "não há mudanças só com conversas"?
Bode - Vou dar um exemplo. Após a descoberta do buraco na camada de ozônio, iniciamos a campanha contra o uso do gás CFC em refrigeradores. Mas a indústria continuava a produzir refrigeradores com CFC. Em 1993, contactamos cientistas que desenvolveram um refrigerador sem CFC, que agora conquista o mercado alemão.
Folha - Há cerca de um mês, o sr. foi preso na China durante um protesto-relâmpago do Greenpeace na praça da Paz Celestial, em Pequim. O que o grupo pretende fazer na China?
Bode - Não posso dizer, mas posso garantir que vamos continuar nossa campanha contra testes nucleares da China. Vamos experimentar para descobrir até onde podemos ir e qual será a reação. Temos de ser cuidadosos -vamos nos aconselhar e trabalhar em conjunto com os chineses.
Folha - O que o sr. concluiu da primeira tentativa?
Bode - Aprendi que os chineses são muito abertos a discussões ambientais, mas têm como prioridade elevar seu nível de vida e viver a paz. Se você pedir aos chineses que mudem seu estilo de vida, eles não vão aceitar.
Folha - Como foi ser preso lá?
Bode - Senti muita incerteza. Não sabia o que iria acontecer, não entendia o que estava assinando, não pude contatar a embaixada. Fiquei preso por 30 horas e depois fui expulso, junto com os outros ativistas. Mas pretendo voltar.
Folha - Que outras campanhas o Greenpeace planeja?
Bode - Existe uma área fascinante, que é a do transporte individual, os carros. É um problema no mundo inteiro e que provoca muita poluição. Temos que atacar a indústria automobilística, para que produza carros mais econômicos e menos poluentes, e exigir mais regulamentação dos governos.
No dia 8 de setembro apresentamos em Berlim o primeiro carro ecológico, o Gringo, que nós projetamos. Vamos forçar a indústria a produzir carros como esse.
Folha - Por que o grupo é mais ativo no Primeiro Mundo?
Bode - O Greenpeace foi fundado em países industrializados. Somos uma típica organização ocidental. Há apenas seis anos, abrimos escritórios na América Latina.
Ainda temos que aprender como trabalhar em países menos desenvolvidos, onde existe uma complicada relação entre meio ambiente, desenvolvimento e pobreza.
Além disso, em muitos desses países você não pode expressar sua opinião livremente. Somos uma organização de pessoas ricas, acostumadas à democracia.
Folha - Sua experiência em trabalhos de planejamento e administração em países como a Nigéria e a Argentina pode ajudar o Greenpeace a se tornar mais ativo no Terceiro Mundo?
Bode - Para mim, não existe mais Terceiro Mundo. Há muitas diferenças entre o Brasil e a Guatemala, a Índia e a Coréia do Sul. Temos que encontrar respostas diferentes.
Não podemos exigir sacrifícios dos países subdesenvolvidos enquanto os países industrializados não contribuírem com sua parte. Nossa mensagem nos países desenvolvidos deve ser: "Vocês têm de mudar seu estilo de vida e sua tecnologia. Têm de consumir menos energia".
Folha - No Brasil, por exemplo, o Greenpeace nunca promoveu uma grande campanha. O país não coloca nenhuma ameaça real ao meio ambiente?
Bode - A destruição da Amazônia é uma ameaça muito importante. Há muitas questões envolvidas -fatores sociais, disputas pela propriedade da terra, problemas de política interna. Acho que ainda não existem condições para uma campanha clara e bem-sucedida.
Nos próximos dias 6 e 7 de outubro, me reunirei no Rio de Janeiro com diretores-executivos do Greenpeace de toda a América Latina. Estou ansioso para saber a opinião deles sobre as campanhas do Greenpeace.
Folha - O sr. é ativista?
Bode - Participei de algumas campanhas no Canadá, na Alemanha e na China, mas não ousaria ser um ativista. Entrei no Greenpeace em 1989, aos 42 anos. Minha contribuição é como planejador e administrador ambientalista.
Folha - O sr. se acha radical?
Bode - Meus objetivos e minha estratégia são radicais, mas não tenho um caráter militar. Sou democrata. Se a maioria das pessoas chegar à conclusão de que quer destruir o meio ambiente, seria obrigado a aceitar. Mas acho que esse consenso não foi atingido.
Pelo contrário, existe o consenso verbal de que queremos preservar o meio ambiente. Isso faz parte de todas as declarações internacionais, inclusive a Declaração do Rio. Meu objetivo é fazer com que as pessoas levem isso a sério.

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