São Paulo, domingo, 17 de setembro de 1995
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Beijinhos, beijinhos, tchau, tchau

GILBERTO DIMENSTEIN

Garimpava informações sobre o uso das redes de computadores por admiradores do sexo infantil. A combinação do ciberespaço e pornografia apaixona os americanos, incendeia a discussão sobre o direito de expressão e sobre os limites éticos da tecnologia e, ainda por cima, joga cada vez mais gente na cadeia. Inesperadamente, apareceu na tela do computador a palavra Xuxa.
A razão inicial da pesquisa era o escândalo informático da moda. Passados dois anos de incessante investigação, o FBI, a polícia federal daqui, colocou na cadeia, na semana passada, um batalhão de pessoas espalhadas em várias cidades. Clandestinos no ciberespaço, os indivíduos enchiam as telas com imagens computadorizadas de pornografia infantil.
Viajando por novos arquivos, descobri porque nossa estrela de maior sucesso internacional conheceu o fracasso nos Estados Unidos, onde era aguardada como nova versão de Carmen Miranda. Já brilhava junto ao público latino num canal hispânico, mas, em 1993, ensaiava o grande salto, exibindo um programa em inglês.
Fácil verificar por que, afinal, o nome Xuxa enganchou nas retrancas sobre pornografia infantil e, de quebra, seu programa não decolou. Nos artigos de imprensa, ela chegou a ser apresentada literalmente como ameaça "soft pornô, contaminando uma geração de inocentes crianças -uma versão infantil (e novamente literal) de Madonna.
Para complicar ainda mais, lembravam que, no passado, ela posou pelada. E, pior, estrelou num filme o papel de prostituta que seduziu um garoto de 13 anos -a julgar pela histeria do debate, faria desse papel sua vida real para as crianças americanas. "Muita gente está preocupada com a chegada da Xuxa, como se fosse a importação mais perigosa desde a chegada das abelhas assassinas", escreveu, irônico, o jornalista Marvin Kintman.
Não há mais espaço para ironia quando se trata de sexo e, principalmente, de suposta pornografia infantil. Poucos dias atrás, um deputado perdeu o mandato porque transou com uma garota de 16 anos. Um juiz mandou para a cadeia um homem que também foi para a cama com uma menor de idade. Desesperado, o homem argumentou que a moça mentiu sobre sua idade. E o juiz, implacável, replicou: "O senhor devia antes investigar se era verdade ou não.
Para atrair atenção e dinheiro, o estilista Calvin Klein adora chocar com anúncios publicitários e tem o hábito de desdenhar os protestos. Em 1980, pôs a ninfeta Brook Shields num justíssimo jeans, dizendo: "Não há nada entre mim e minha Calvin". Diante dos irados protestos, Calvin foi convidado a dar uma resposta e limitou-se a poucas letras: "Fodam-se".
Desta vez, ele colocou anúncios de adolescentes, onde apareciam sutilmente detalhes de calcinhas e cuecas, o que, no Brasil, não atrairia a atenção nem de padre -aliás, a Madonna vive dizendo que, aí, foi o único lugar em que não chocou ninguém. O FBI iniciou investigação para saber se ele promovia pornografia infantil. Antes de acabar desenhando roupas para presidiários, ele tirou rapidinho os anúncios.
Pelo jeito, a guerra santa está apenas começando. Na suposição de que a suposta pornografia estimula estupro, um poderoso lobby quer ir muito mais longe: garantir no Congresso de indenização às vítimas de estupro. A fatura iria para a indústria do sexo que, por ano, fatura US$ 10 bilhões.
PS - Uma atriz de filme pornô ganha, em média, US$ 3 mil por dia. É nada menos que uma professora de ensino público ganha em um ano inteiro em São Paulo -o que, para mim, é a verdadeira pornografia.

A moda da reengenheria começa a sofrer um processo de reengenharia nos Estados Unidos. Diante da onda do desemprego, ganha espaço a discussão sobre a responsabilidade social dos empresários.
A meta maior seria, então, combinar redução de custos com aumento de produtividade, mas preservando o emprego. Até porque, óbvio, quem não trabalha não consome -e, com menor consumo, há menos produção.

A cocaína é o produto cujo preço mais cresce nos Estados Unidos. Devido à repressão na Colômbia, aumentou 50%, numa economia cuja inflação anual é de 2%. O grama pulou de US$ 50 para US$ 80.

Como hoje é o dia em que a Igreja Universal do Reino de Deus promete lotar o Madison Square Garden, transformando o templo do rock numa tenda de milagres, tentei descobrir qual a imagem do bispo Edir Macedo na imprensa americana. Consultei arquivos do "The New York Times", "The Washington Post" e da revista "Time". Há abundantes reportagens. Curar a Aids, câncer, alcoolismo, até é fácil. Difícil mesmo vai ser exorcizar a imprensa americana, onde seu nome é associado a charlatanismo, evasão fiscal, e, em especial, enriquecimento às custas da boa fé de pobres.
PS - A propósito, recebi pelo correio eletrônico indagações sobre minha posição diante da Igreja Universal do Reino de Deus, abordada em colunas passadas. Uma das correspondências chegou a perguntar se eu tinha algo de pessoal contra o bispo Edir Macedo. Muito pelo contrário, fui convidado por várias vezes a trabalhar no jornalismo da Record, onde atuam profissionais sérios.
Mas a função da imprensa é denunciar todos os tipos de manipulação -judeus, islâmicos, católicos, governo, oposição, sindicato, empresários e até dos meios de comunicação, onde, não raro, lobbies políticos e, principalmente, econômicos, fazem a festa.
Não dá para ficar impassível diante de uma religião que jura ter curado a Aids e garante que quanto mais dinheiro você der a Deus, maior será a recompensa. Até aqui, só vi, de fato, um milagre: a evolução patrimonial do bispo.

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