São Paulo, domingo, 17 de setembro de 1995
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Governo faz milagre

JOSIAS DE SOUZA

BRASÍLIA - Jesus Cristo, como sabemos, transformou água em vinho, seu primeiro milagre público. Foi na localidade de Caná, informa o Novo Testamento.
O governo brasileiro conseguiu inverter a proeza do Nazareno. Fez do vinho água suja. Foi no Rio Grande do Sul, como se relatará abaixo.
Poucos sabem, mas o governo, nosso milagreiro às avessas, é proprietário de razoável quantidade de vinho. Há nos estoques estratégicos do Ministério da Agricultura 3 milhões de litros do produto.
Brasília começou a compor sua adega na década de 80. Penduradas na verba barata do crédito rural, vinícolas gaúchas plantaram a uva e destilaram o vinho.
Na hora de devolver o dinheiro que tomaram emprestado, alegaram dificuldades. O Tesouro Nacional veio em seu socorro. Em troca, entregaram 13 milhões de litros de vinho ao governo.
Tudo foi feito dentro da lei. O governo valeu-se de sua política de preços mínimos. As maiores quantidades de vinho ingressaram nos estoques oficiais em 82 e 88.
Nos últimos 13 anos, o governo vendeu 10 milhões de litros de vinho. Em todas as compras ou empatou dinheiro ou teve grosso prejuízo. Restaram os 3 milhões de litros que hoje embriagam o governo do professor Cardoso.
Descobre-se agora que mais da metade do estoque oficial virou água podre. O governo tenta, sem sucesso, empurrar alguns tonéis para fábricas de vinagre.
O produto, guardado no Rio Grande do Sul, na Serra Gaúcha, terá de ser destruído. Pensou-se em despejá-lo nas águas do rio Guaíba. O Ibama e a defesa sanitária gaúcha deram o grito.
O governo, como se vê, é protagonista de mais uma imensa comédia. Um detalhe impede que o país da cachaça e da cerveja caia na gargalhada: o espetáculo é patrocinado com dinheiro público.

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