São Paulo, domingo, 17 de setembro de 1995
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"Arquivo X" é contra-indicada para ansiosos

DALMO MAGNO DEFENSOR
ESPECIAL PARA A FOLHA

Elogiada por leitores, tema de reportagem e até das tirinhas do Robô publicadas na Ilustrada, a série "Arquivo X", exibida na Record, acabou atraindo minha atenção. Depois de assistir a alguns episódios, posso garantir "Arquivo X" dá medo.
Medo de sair da sala, de que toque o telefone, de que alguém puxe conversa. São tantas coisinhas miúdas e importantes ditas e mostradas em rápida sucessão que a menor distração pode comprometer o entendimento da trama.
A série, cujo lema é "a verdade está lá fora", conta as aventuras de Fox Mulder e Danna Scully, detetives do FBI que investigam crimes com a presença de paranormais -em geral, há o dedo (tentáculo?) extraterrestre. Mas humanos são responsáveis pelas maiores surpresas.
Item: Mulder e Scully vivem sendo estorvados por gente poderosa, ligada ao governo, que tenta abafar revelações sobre a presença alienígena. Um desses figurões é um sujeito que fuma feito um condenado e é chamado "o canceroso". Certa vez, ele disse a Mulder que "se as pessoas soubessem o que sei, tudo desmoronaria.
Item: há um figurão "do bem", o Sr. X, a quem Mulder recorre quando desorientado. Além de oferecer dicas ao pupilo, o trabalho de apoio de X inclui matar agentes do "canceroso" a sangue frio.
Item: mesmo sendo heróis da série, Scully e Mulder sofrem muito. Mulder volta e meia leva uns tiros e vive estressado porque nenhum superior conta exatamente o que está acontecendo. Scully chega a ser sequestrada por um psicopata e só reaparece dois episódios depois, em coma.
Na ausência de Scully, a série foge ao tema usual e Mulder investiga um caso de vampirismo. Ao checar um banco de sangue próximo ao crime, flagra um funcionário bebendo reservas da instituição. Um desfalque, digamos.
O suspeito, que diz ser um vampiro, se recusa a ajudar. Mulder não leva a sério, mas raciocina: se ele pensa ser um vampiro, o medo da luz solar o fará falar -e o meliante é posto numa cela sem cortinas.
Ao amanhecer, a terrível surpresa: com 15 segundos de sol, que não fariam mal a um finlandês albino, o preso fica torradinho da silva, tal e qual um vampiro verdadeiro.
Tá legal, tudo é possível, mas a volta de Scully é um delírio criativo. O sangue da detetive contém matéria orgânica existente na Terra; sua irmã demonstra mediunidade; sua mãe fala de sonhos premonitórios; seu falecido pai aparece em espírito; o chefe de Mulder conta que, ferido no Vietnã, elevou-se sobre seu próprio corpo; durante o coma, Scully é cuidada por uma certa enfermeira Owens, que ninguém mais vê.
Por outro lado, é contra-indicada para dispersivos, ansiosos e cartesianos radicais. A quem não se enquadra nessas categorias e pretende pegar o bonde andando, recomenda-se gravar os episódios e consultar -como fiz- uma paciente aficionada da série.
Sem tais precauções, o novato em "Arquivo X" vai se sentir como certo aluno de minha faculdade. Depois de fazer uma pergunta simples e ouvir uma resposta longa e tortuosa, ele confessou ao professor: "Antes da explicação, eu tinha uma simples dúvida; agora, estou completamente confuso".
P.S.: Corrigindo a coluna anterior, foi um integrante do Planet Hemp, e não dos Raimundos, que falou ao VJ Gastão a frase sobre aprontar e queimar.

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