São Paulo, segunda-feira, 18 de setembro de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

'Decadência' gera protesto e desconforto

ESTHER HAMBURGER
ESPECIAL PARA A FOLHA

Inspirou também o desconforto de telespectadores, incomodados com o tom caricatural, panfletário até, com que o programa trata o crescimento de pentecostais e os acontecimentos que culminaram no impeachment de Collor.
A dificuldade de "Decadência" em contar uma história em que as instituições básicas da política brasileira se entrelacem com o romance de alguns personagens contrasta com a facilidade com que o seriado "O Bem Amado" realizou a mesma proposição.
Reprisado na última terça em homenagem ao ator Paulo Gracindo, um episódio do seriado transmitido originalmente na década de 80 ironiza a iniciativa do legendário Odorico Paraguassu, coronel-prefeito de Sucupira, que viaja aos Estados Unidos acompanhado dos também legendários Dirceu Borboleta, irmãs Cajazeira e capitão Zeca Diabo, para propor que a sede da ONU seja transferida de Nova York para sua cidade natal.
Mesmo ridicularizado, Odorico desperta alguma empatia -sempre acompanhada da idéia de que se trata de um animal em extinção. O coronel, o padre que contemporiza, o comerciante, o prefeito, representam instituições convencionalmente presentes nas representações televisivas do Brasil tradicional. Embora na televisão tenhamos nos acostumado a assistir a finais que sempre salientavam a resistência da velha ordem patriarcal, a idéia de que mais cedo ou mais tarde ela seria superada foi se tornando mais ou menos consensual.
Mas o Brasil industrializado que emerge na Nova República se manteve perversamente desigual. A minissérie "Decadência" procura representá-lo associando a degringolada da família quatrocentona ao escândalo do governo Collor e ao crescimento de grupos pentecostais. As relações entre os três processos e uma decadência não fica clara. A representação da religião esbarra em uma ojeriza mútua. E no desconhecimento.
Em meio à redefinição da ordem política, o fosso social ameaça se tornar também religioso. As igrejas pentecostais crescem de maneira inusitada entre a população de baixa renda do maior país católico do mundo. Seus líderes carismáticos frequentemente resistem violentamente a abrir seus redutos à mídia. Se agarram ferozmente a uma performance místico-pragmática na qual aparecem como vítima das principais instituições públicas brasileiras.
Mas há algo de genuíno na retórica ressentida, de "culto dos excluídos" proferida por pastores. A Umbanda e o Candomblé -religiões com raízes afro-brasileiras- e os cultos indígenas são mais facilmente assimilados do que os pentecostais. Talvez porque estes se façam ouvir pela TV. Na falta de compreensão, o discurso sobre grupos pentecostais frequentemente cai em um economicismo que reduz a religião à mera manipulação mentirosa de pobres fiéis, com o fim exclusivo de enriquecer líderes falsos.

Texto Anterior: Clara Nunes ganha homenagem mórbida
Próximo Texto: Daves filma sentimentos puros
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.