São Paulo, quinta-feira, 21 de setembro de 1995
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Ray Charles viaja com banda pelo Brasil

LUÍS ANTÔNIO GIRON
DA REPORTAGEM LOCAL

"O que eu mais gosto nesta vida é viajar", diz o cantor e pianista Ray Charles na entrevista exclusiva que concedeu à Folha, por telefone, de Los Angeles.
Foi na segunda-feira, pouco antes de embarcar para a sétima e maior viagem que já empreendeu pelo Brasil. Hoje ele já está na estrada com sua big band de 22 músicos, a percorrer quatro capitais brasileiras para cinco shows.
O início da turnê foi marcado para ontem, em Goiânia. No sábado, fará um show fora do comum, ao ar livre, no Parque das Mangabeiras em Belo Horizonte. Estará completando 65 anos de idade.
Ray Charles Robinson nasceu em 23 de setembro de 1930 em Albany, sul dos EUA. Ficou cego aos 7 anos. Traz no currículo a história da música negra. Já lançou 60 discos em 47 anos de trabalho.
Com um piano rítmico, harmonias inventivas e a voz cava, converteu a "race music" -som do gueto negro- em soul, em pop, em corrente principal. Começou imitando Nat King Cole e amealhou seu 12º Grammy em 1994, com um rap no CD "My World".
Fundou sua big band em 1961, ano em que fez sucesso com a canção "Georgia On My Mind". Visitou o Brasil pela primeira vez em 1963. Dessa época para cá, a fórmula de seus espetáculos tem sido igual. "Não vejo por que mudar se o público pede meus standards. Não posso dispensar 'Georgia On My Mind'. Mas desta vez estou incluindo canções novas."
Ray Charles cantou no Rio e em São Paulo em junho deste ano. No domingo de 11 de junho, juntou 150 mil pessoas no Parque Ibirapuera. Bateu o recorde de público do local. "Foi a coisa mais importante da minha vida", diz. "Nunca vi nada igual."
Mas muita gente ficou de fora, mesmo porque não podia pagar ingressos de quase R$ 500 do clube Bourbon Street, que trouxe o músico. "O empresário me chamou de novo porque muitas pessoas não puderam me ver", conta. "Disse para eu esperar enquanto fechava o negócio. Fiquei contente por ele ter conseguido."
Entremeia declarações com a interjeição "oh man!", que trai entusiasmo excessivo pelo mundo.
"Minha vida é levar música para o meu público e a oportunidade de voltar ao Brasil me entusiasma. Não é uma frase feita: eu adoro o calor do público brasileiro!"
Considera música um motivo para viver: "É como minha corrente sanguínea, minha vida. Só vem depois da saúde." Para mantê-la, alimenta-se bem. "Comida natural e leite não podem faltar. E muito exercício, que faço nos shows. Me movimento muito e isso me mantém em forma."
Seus estudos de matemática serviram, afirma, para melhorar o desempenho musical: "Você só pode ler música sabendo matemática. Não há nada mais matemático do que o ritmo. Mas isso não tem nada a ver com sentimento. Esse é seu, intransferível. Ninguém pode ensinar sentimento a ninguém. A música surge desses dois termos."
Embora tenha integrado o movimento pelos direitos civis nos anos 60, ele não participa mais de eventos beneficentes: "Não sou político e não faço negócios com políticos. Muitos músicos se ocupam em fazer shows para ajudar os necessitados. Eu, de minha parte, quero tocar boa música, blues e jazz. Gosto de estar com minha música e meu público."
Rap, nem pensar, apesar de ter gravado um: "Detesto esse blablablá. Para mim significa nada. Não aprendo nada e para mim música vale a pena quando me faz levantar e prestar atenção. Sou muito jovem para gostar de rap. Estou com 65 anos. Talvez eu venha a apreciar rap aos 80...."
Não tem tempo para compor, ainda que anote idéias melódicas. Suspira: "São tantas as viagens!"

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