São Paulo, sábado, 23 de setembro de 1995
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Mulheres fazem a síntese do melhor teatro

NELSON DE SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL

Cláudia Schapira é uma atriz em estado de graça. O que se vislumbrou em "I Love" e depois em "Pentesiléias" surge agora por inteiro em "Violeta Vita".
No papel de uma jovem aristocrata apaixonada, ao mesmo tempo um "tomboy" deliciosamente irresponsável e uma mulher insinuante e bela, como nunca antes, a atriz tem, mais do que o domínio, o prazer da sua arte.
A sensualidade é a marca da atriz e a marca da peça. Construída a partir das cartas trocadas pelas duas aristocratas, Vita Sackville-West e Violet Keppel Trefusis, amigas e amantes desde crianças, a peça é um crescendo de paixão entre mulheres.
Não à toa, envolveu duas atrizes como Cláudia Schapira e Lu Grimaldi, uma diretora como Beth Lopes, uma escultora de corpo como Renata Melo, uma iluminadora como Cibele Forjaz e uma diretora de arte como Daniela Thomas. O grupo de mulheres é uma síntese do melhor teatro feminino, quase grande demais para o pequeno palco da sala do Centro Cultural São Paulo.
Lu Grimaldi, como Vita, em interpretação contraposta à de Cláudia Schapira, está gélida, absolutamente mulher de corte, com concessões envolventes à paixão de Violet, em uma troca de humores, um contraste de temperatura que é fascinante.
Muito de uma e de outra se deve, certamente, à direção de Beth Lopes. Antes atenta por demais aos aspectos formais do teatro e da própria interpretação dos atores, em montagens com referências aos quadrinhos em "O Cobrador" e ao cinema em "Os Brutos Também Amam", a diretora apenas deixava vislumbrar o talento.
Estava como que a desperdiçar a própria qualidade no esforço do experimento, ainda que fizesse o bastante para mostrar o quanto manipula as emoções e a sinceridade dos atores. Em "Violeta Vita", é este trabalho interior, oculto, de difícil discernimento -que faz quase que desaparecer a assinatura do diretor no espetáculo- que ganha prioridade.
Nos gestos, nas ações de corpo, na dança, na violência é que se nota a mão de Renata Melo, além da mão da própria Beth Lopes, obviamente, de quem Renata é assistente.
No primeiro dia, na estréia, houve desencontros, claramente causados pela ausência de ritmo, de prática com as marcas, o que deve ser sanado com facilidade em poucas apresentações.
Daniela Thomas, com tão pouco palco, com uma "caixa" de tão limitadas opções, acaba por mostrar que não é a "designer" faraônica que alguns chegaram a imaginar e atua com delicadeza e em detalhe.
Assim, "Violeta Vita" se passa num sótão de sonho, de lembranças, sugerido pelo próprio texto, um sótão em que Violet e Vita brincam por toda a vida, como crianças, entre cadeiras velhas, os livros conhecidos de outros cenários e o pó.
A luz de Cibele Forjaz, com cores e focos que acompanham as duas personagens e a sua temperatura, acentua o campo de sonho e de memória, atuando quase que isoladamente, por vezes em contraste com a cenografia.
O figurino é por sua vez estranho e extremamente rico, sugerindo aqui uma sensualidade vitoriana, ali uma androginia e assim por diante, sendo sempre mudado em cena, em provocação crescente.
Não é difícil entender a extrema felicidade de Cláudia Schapira, no palco, na estréia de "Violeta Vita". A sua arte está inteiramente pronta, amadurecida, num espetáculo também maduro, em praticamente todos os sentidos.
Cabe uma restrição, talvez, apenas ao texto, que não apresenta clareza de ação e acaba por dificultar muitas vezes o acompanhamento pelo público. Não por coincidência, certamente, a adaptação é de um homem, Luiz Cabral, solitário, isolado, entre tal mulherio.
(Para não ser excessivamente esquemático, que se registre a qualidade e o contraponto bem-humorado da música de outro homem do espetáculo, André Abujamra -infelizmente, muito prejudicado por grande confusão com as gravações, na estréia.)

Peça: Violeta Vita
Direção: Beth Lopes
Texto: Luiz Cabral
Elenco: Lu Grimaldi e Claudia Schapira
Cenografia: Daniela Thomas
Iluminação: Cibele Forjaz
Quando: de qui a sab, às 21h30, dom, às 20h30
Onde: Centro Cultural São Paulo (r. Vergueiro, 1.000, tel. 011/277-3611)
Ingresso: R$ 8

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