São Paulo, sábado, 23 de setembro de 1995
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CD traz gravação generosa de Messiaen

ARTHUR NESTROVSKI
ESPECIAL PARA A FOLHA

CD: Olivier Messiaen (1908-1992)
Obras: Concert à Quatre, Les Offrandes Oubliées, Un Sourire, Le Tombeau Resplendissant Com: Mstislav Rostropovich (violoncelo), Heinz Holliger (oboé), Yvonne Loriod (piano), Catherine Cantin (flauta) e Orquestra de l'Ópera Bastille Regência: Myung-Whum Chung Preço: R$ 22, em média

Olivier Messiaen é um dos três ou quatro maiores compositores deste século e o "Concert à Quatre" é a sua última obra: só isto já faria deste CD um lançamento indispensável. A gravação é generosa e traz, além do "Concerto", a pequena peça para cordas, sopros e percussão, "Un Sourire" (1989), que é uma homenagem de Messiaen a Mozart, e suas duas primeiras composições orquestrais: "Les Offrandes oubliées" (1930) e "Le Tombeau resplendissant" (1931).
Escrito entre 1990 e 1991, o "Concert à Quatre" foi orquestrado, em parte, pela pianista Yvonne Loriod, depois da morte de seu marido Messiaen. O Concerto foi composto para os solistas Rostropovich (violoncelo), Holliger (oboé) e Cantin (flauta), além de Loriod. Trata-se, nas palavras do autor, de uma "reverência" a Mozart, Rameau e Scarlatti. Não há, diga-se logo, nem citações nem pastiches. A reverência é espiritual e se traduz por uma espécie de distanciamento das coisas, e ao mesmo tempo um maravilhamento com o que há de mais material na composição -o som, os ornamentos, o prazer de tocar. É um traço não só do "Concerto", mas de toda a produção tardia de Messiaen.
A marca dessa música é a pluralidade: da música indiana aos compositores medievais, dos cantos de pássaros ao serialismo e à heterofonia oriental, tudo aqui parece encontrar não apenas um espaço, mas uma justificação. Neste "Concerto", Messiaen está tão à vontade que é capaz de incorporar um "vocalise" (um exercício de canto, sem palavras), escrito na década de 30, e retrabalhado para formar o segundo movimento. Ele é o maior criador de adágios do nosso tempo e este "vocalise", discreto, amável, tranquilo, deve ter lugar para sempre em programas de orquestra.
Outro lindo adágio é "Un Sourire", escrito para comemorar o bicentenário da morte de Mozart. "A despeito de suas dores, de seu sofrimento, da fome, do frio, da incompreensão e da proximidade da morte. Mozart estava sempre sorrindo. Sua música também. É por isto que me permiti, com toda humildade, intitular minha homenagem de 'sorriso'", escreveu Messiaen na partitura. A peça alterna um canto lento para cordas, realçadas por sopros, com um outro material contrastante, que combina sopros e percussão, em cantos de pássaro.
Poucos compositores modernos têm, como Messiaen, a capacidade de se assinar musicalmente, desde a primeira nota. O que fica claro, ao contrastar o "Concerto" e o "Sorriso" com as duas peças sinfônicas de 60 anos antes, é o quanto esta assinatura já se fazia ouvir desde o início, num contexto menos característico. Tanto nas "Oferendas esquecidas como na "Tumba" resplandecente, Messiaen ainda está próximo de antecessores franceses como Florent Schmitt e Paul Dukas, com acentos também de Stravinski. Mas o Messiaen posterior, dono de si mesmo, e criador de um mundo sonoro pessoalíssimo, nos ensina a ouvir, nesta primeira fase, tudo aquilo que ele mesmo ainda não ouvia, mas que, em retrospecto, já estava de fato ali.
Não há cantos de pássaros, nem os "modos de transposição limitada", nem os "ritmos não-retrogradáveis" de sua música madura. Este é o Messiaen jovem, com citações à Rimbaud na partitura, se é que é possível falar de um Rimbaud católico.

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