São Paulo, domingo, 24 de setembro de 1995
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O jornalismo econômico

LUÍS NASSIF

"Nunca vi imprensa tão chapa branca como agora. No meu tempo, o fato de o regime ser fechado dificultava essa adesão."
A queixa é do deputado Delfim Netto, ex-czar da economia, homem que em sua época teve nas mãos nove entre dez jornalistas econômicos de ponta, que ele cooptava com informações e com status.
Ao contrário do que supõe Delfim, hoje em dia grande parte da nova geração de jornalistas está armada até os dentes de espírito crítico -às vezes, crítico até demais.
Esse oficialismo é resquício do estilo praticado nos anos 70, época em que o status do jornalista econômico residia na coleção de telefones de autoridades que ele tinha em sua agenda.
Nos tempos do "milagre", o único jornalista econômico de envergadura a praticar oposição a Delfim foi Aloísio Biondi. Não que os demais fossem constrangidos pela censura. Havia uma adesão firme ao oficialismo.
Quando cessou a censura sobre a revista "Veja", por exemplo, constatou-se que a única editoria a não sofrer nenhum veto do censor havia sido a de Economia. O mesmo deve ter ocorrido com outras publicações censuradas.
Delfim era beneficiário, mas não o culpado desse estilo. Nunca disse, mas provavelmente o único jornalista que respeitasse fosse o próprio Biondi.
Bom-tom
Entendi melhor esse fenômeno do jornalismo econômico quando fui trabalhar no "Jornal da Tarde", no início dos anos 80.
Todo mês, Delfim era brindado com entrevista coletiva publicada pelos dois jornais da casa. Era ampla louvação, que, mais do que orientação dos donos, refletia o vício de ofício do jornalismo econômico da época.
Na primeira oportunidade que tive para participar da famosa rodada mensal resultou um tiroteio aceso, publicado na íntegra pelo "Jornal da Tarde", mas não por "O Estado de S.Paulo".
Não foi censura da casa, mas veto técnico de bons companheiros, que consideravam não ser de bom-tom nenhuma pergunta que não versasse sobre o convencional -juros, demanda agregada, paridade cambial etc.-, permitindo levantar a peteca para o ministro cortar.
Nessa mesma época, às sextas-feiras Delfim vinha a São Paulo e recebia dois ou três jornalistas econômicos influentes. Por intermédio deles, passava todos os tipos de recados, de informações a maldades habituais.
Em 1986, num programa "Roda Viva", quando afirmei que o Cruzado 2 iria jogar a economia em uma rota de hiperinflação, um colega reagiu incontinenti: "Até parece que você está fazendo o jogo do Delfim".
Era um dos que transmitiam semanalmente os recados do ex-ministro. E o corpo do ex-czar ainda nem esfriara.
Estilo de vida
Não se trata de picaretagem ou oportunismo, mas da maneira como se aprendeu a fazer jornalismo econômico nos anos 70.
Não se procurava questionar verdades estabelecidas ou levantar ângulos diferentes de uma realidade complexa.
Cumpria-se -e cumpre-se- a missão de se ser sacerdotes do templo, pitonisas incumbidas de levar o verbo de Deus aos mortais (por Deus entenda-se qualquer economista, ou não, de qualquer linha política, enquanto ocupando o Olimpo da Fazenda).
Mais do que jornalistas, seu empenho consiste em encontrar e difundir uma explicação oficial para cada situação real, de maneira a facilitar a missão divina na terra.
Assim como os anos 60 legaram a geração Woodstock, com todo seu potencial de questionamento e criatividade, os anos 70, no Brasil, deixaram de herança um modo de fazer jornalismo econômico.
Aliás, um velho modo.
Avesso
O avesso do jornalismo oficialista é um certo vezo ranheta que impede que jornalistas econômicos -como o colunista- reconheçam que, apesar de todos os pesares, um ano depois o Real logrou apagar grande parte da memória inflacionária do país.
Poder Judiciário
O presidente do Supremo Tribunal Federal, Sepúlveda Pertence, é a primeira pessoa a trazer a chama das reformas para dentro do Poder Judiciário. Longa vida, saúde e determinação para levar adiante sua empreitada.

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