São Paulo, domingo, 24 de setembro de 1995 |
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O marginal e o institucional unidos na vanguarda do entretenimento
AUGUSTO MASSI
As questões que norteiam seu trabalho estão expressas na tensão entre a cultura e o cult, institucionalização e marginalidade, flerte com o alto repertório e adesão à arte de baixa definição. "Gibi" aposta todas suas fichas num corpus híbrido: poesia de "Almanaque" e diletantismo da "Super Interessante". A certa altura do livro, o próprio autor, depois de legendar um álbum de figurinhas dos super-heróis da poesia, afirma ser "um cara de cultura mediana apenas/ um digest's reader melhorado". "Gibi" é uma espécie de antropofagia de classe média. O barateamento das propostas de vanguarda, transformadas em slogans de bolso ou vinhetas rápidas, resultou numa perda de radicalidade. Penso que a situação não é muito diferente no terreno da prosa. Editores e autores publicam segundo uma receita eficaz: personalidades do mundo artístico ou da televisão são convidados a publicar romances policiais, históricos ou biográficos. Ou seja, a radicalidade foi substituída por uma estratégia de marketing mais adequada ao consumidor. O poeta José Paulo Paes, que escreveu o ensaio"Por uma Literatura Brasileira de Entretenimento", fica nos devendo o outro lado da moeda. A poesia, na condição de arte precária, também buscou saídas: o seu exemplar de "Gibi" pode chegar pelo correio. A primeira abordagem vem por meio de uma carta simpática, mescla de corrente da economia informal e campanha de assinatura de mais um lançamento da Edições Dubolso: "Este exemplar de Gibi é seu. Como na psicanálise, trata-se de uma transferência, do autor para o leitor. Ou como na Umbanda, o autor é apenas o cavalo. (Como se sabe, "arte é tudo o que o homem chama de arte"). (...) Bom, pode ser que futuramente o autor inscreva 'Gibi' num festival de curtas-metragens. 'Gibi' foi inteiramente bancado pelo autor, sem apoio, sem apoio das famosas 'forças do mercado'. Caso por ventura, você queira contribuir para amenizar os custos de produção de 'Gibi', basta enviar um cheque nominal de R$ 10,00 para: Otávio Ramos. Rua Ouro Fino, 270/ 102 - CEP 30310-110 - Belo Horizonte - MG ou, se preferir, deposite diretamente no Banco do Brasil, agência 3610-2, conta 442845-5. Desejo-lhe Grandes Insignificantes Beatitudes Intelectuais. Fica o abraço amigo, do Otávio". "Gibi" na mão, a segunda abordagem salta de dentro da própria concepção gráfica do livro, a cargo do poeta Sebastião Nunes, responsável pela Edições Dubolso, em Sabará, MG. Visualmente "Gibi" gravita na órbita das já antológicas "Antologias Mamalucas 1 e 2" de Tião Nunes. Há um pouco de tudo: fotonovela, anúncio antigo, quadrinhos e poemas. "Gibi" é agradável para a vida de nossas retinas tão fatigadas. Tudo é signo dócil, imagens tombadas pelo patrimônio histórico da cultura de massa. Mas onde está o objeto não identificado da poesia? A última abordagem é um tiro que saiu pela culatra. Ou parodiando um poema do autor, saiu pelo ladrão. Dentro da linhagem satírica e pã demônica da poesia brasileira contemporânea, Otávio Ramos é um criador mais pop, mais light, mais diet. É nada anarquista ou pornográfico, perto de Bastião Num, que por sua vez é mais palmilha Duchamp Gerais do que o paladino da escatologia, o pedófilo radical, o "desdobrabil" Glauco Mattoso, pai-de-todos. Penso que um trabalho como "Gibi" é simpático, tem achados, mas deve ser lido como quem lê uma história em quadrinhas. É vanguarda de entretenimento. A OBRA Gibi, de Otávio Ramos, 32 págs. Edições Dubolso (r. Ouro Fino 270/102, Belo Horizonte, Minas Gerais, CEP 30310-110). R$ 10,00 Texto Anterior: A íntima ligação entre a loucura da arte e a arte da loucura Próximo Texto: Filme e hipnose Índice |
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