São Paulo, terça-feira, 2 de janeiro de 1996
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Cultura descobre o poder do terno e gravata

ELVIS CESAR BONASSA
DA REPORTAGEM LOCAL

Terno e gravata, pasta de executivo na mão, orçamentos e legislação tributária na ponta da língua. Área de atuação: cultura. O crescimento do mercado de patrocínio cultural estimula o aparecimento dessa figura bilíngue, que transita entre dois mundos, o dos empresários e o dos artistas.
As leis de incentivo à cultura, que permitem abatimento em impostos para quem gastar em patrocínio, abriram campo para o trabalho dos intermediários. Eles se dedicam a dois tipos de trabalho.
No início, em contato com artistas e produtores culturais, transformam a idéia cultural em um projeto técnico: orçamentos detalhados, objetivos claros, estratégias de trabalho, cronogramas.
Na outra ponta, com o projeto aprovado nas leis de incentivo (federal, estaduais ou municipais), os novos engravatados vão atrás das empresas para vender o produto -no caso, conseguir patrocínio.
"Com os empresários, falo a linguagem técnica, com números e cálculos de abatimento de imposto. Com os artistas, converso sobre propostas culturais. Estou falando a mesma coisa, em línguas diferentes", diz Armando Daudt, para definir sua atuação.
Esse trabalho de "tradutor" está previsto em lei, desde meados de 95. Para tentar vencer a barreira que separa os mundos artístico e empresarial, o governo incluiu na Lei Rouanet a permissão de remunerar intermediários.
A remuneração varia entre 8% e 10% do valor total do projeto, tanto para elaboração quanto para o levantamento dos recursos -quem faz as duas coisas, pode chegar à soma de 20% do valor total como remuneração pelo seu serviço.
No papel, isso significa uma oportunidade de ganho bastante elevada. Um projeto, por exemplo, de R$ 100 mil daria até R$ 20 mil de remuneração para os intermediários. E R$ 100 mil correspondem a um projeto pequeno. Mas, no mundo real, as coisas ainda não andam tão bem.
"É um mercado difícil", diz Renato Kamp, que elaborou no decorrer de 95 mais de 100 projetos dos quais apenas 10% chegaram a obter patrocínio. Dificuldades que existem em grande parte pela juventude do mercado.
A Lei Rouanet existe apenas desde 1992. Sua antecessora, Lei Sarney, não funcionou no governo Collor, desarticulando o mercado ainda incipiente de patrocínio.
Essas dificuldades aparecem claramente na contabilidade do Ministério da Cultura. De 2.453 projetos aprovados desde 92, apenas 252 conseguiram encontrar um patrocinador.
A tendência, no entanto, já é de aceleração: a cada ano, cresce o número de projetos patrocinados. Nos dois últimos meses de 95, algumas empresas chegaram a procurar o ministério para pedir indicações de projetos, porque queriam usar os mecanismos da lei mas não sabiam como fazer.
Isso significa que o mercado de intermediários está às portas também de um crescimento acelerado. Os próprios intermediários trabalham para isso, numa verdadeira guerra de informação.
Kamp chegou a elaborar uma cartilha para que os empresários compreendam o mecanismo de abatimento. Na tradução de linguagens, trata-se de mostrar que isso pode ser um bom negócio, antes de discutir os méritos artísticos de cada projeto cultural.
Pela Lei Rouanet, a empresa abate de seu imposto entre 70% e 80% do que gastou com o patrocínio -os gastos são lançados na declaração como despesa operacional e 30% são abatidos diretamente do imposto devido.
Ou seja, de cada R$ 100 mil patrocinados, a empresa gasta efetivamente entre R$ 20 mil e R$ 30 mil. E, se não volta na forma de imposto abatido, esse valor retorna na forma do marketing impulsionado pelo evento cultural.
A elaboração e intermediação de projetos e patrocínios já gerou empresas de porte médio. A Articultura, em São Paulo, produz grandes eventos. E também participa da guerra de informação.
No ano passado, seu proprietário, Yacoff Sarkovas, organizou um curso de marketing cultural. Objetivo: mostrar como a cultura está virando negócio. Para ele, um bom negócio.

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