São Paulo, terça-feira, 2 de janeiro de 1996
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Quilombo contemporâneo

A descrição do conflito entre posseiros e quilombolas, armados com facões e artefatos rudimentares, poderia referir-se a episódios do século 18. Trata-se, porém, de uma notícia atual, publicada por esta Folha em 25 de dezembro de 95.
Pode-se tirar conclusões sobre o atraso no desenvolvimento do Brasil. Mas também é possível aceitar o fato como um sinal de diversidade. Afinal, seria temerário afirmar que no antigo Quilombo Pascoval, ao norte do rio Amazonas, vive-se hoje pior do que, por exemplo, nas favelas das grandes cidades -para não mencionar os que dormem sob viadutos. No ex-quilombo talvez haja até mais harmonia.
Não deixa de ser ao menos curioso observar que a chamada civilização ocidental, apesar de ter-se difundido por todo o globo com uma força avassaladora, não estabeleceu um domínio completo. Não parece obsoleta a observação do historiador Caio Prado Jr. de que adentrar o interior do Brasil é fazer uma viagem no tempo.
A existência simultânea de descendentes de escravos vivendo sob uma organização comunitária (possivelmente muito parecida com a de há 200 ou 300 anos) e do dito mundo moderno mostra que existem diversas temporalidades no território nacional. Grupos e comunidades humanas vivem épocas distintas numa mesma data histórica.
Fica claro ainda o relativo subdesenvolvimento em termos sociais da parte do Brasil que se pretende avançada. Afinal, se de fato gerações vivem naquela região há dois séculos, seria de se esperar que a posse da terra estivesse legalizada. Há razões a sugerir que os quilombolas não são assim tão inatuais.

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