São Paulo, terça-feira, 2 de janeiro de 1996
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O ex-país do futuro

JOSIAS DE SOUZA

BRASÍLIA - 1996 coloca-nos a cinco passos do fim do século. Ainda outro dia, dizia-se que o Brasil era o país do futuro. A despeito da firmeza com que alguns pronunciavam a frase, não conseguíamos falar de 2001 sem que uma interrogação pingasse de nossos lábios.
Agora é diferente. O século 21 roça-nos o nariz. Podemos como que apalpar o futuro com o faro. E o cheiro desse Brasil próximo não parece muito diferente do aroma que exalava de Brasis mais remotos.
Por uma boa meia dúzia de décadas, continuaremos ostentando a condição de país dos contrastes. Aqui abro um parêntese para citar frase que Nelson Rodrigues atribuiu a Otto Lara Resende.
Instado a dar uma opinião sobre a velha Rússia, Otto teria sapecado: "A Rússia é o Piauí com rampa de mísseis". Não sei se Otto disse mesmo a frase, tão cruel com o Piauí. Apenas vendo o peixe como o comprei.
Pois bem, aproveitando a imagem acomodada na boca de Otto, diria que o Brasil também é um país com duas realidades. Somos um Piauí com Sivam. Um país em que os radares milionários na Amazônia convivem com a miséria absoluta. Uma nação em que o moderno e o arcaico são mixados.
Eis o essencial: o Brasil é um país por fazer, uma obra inacabada. Há um consolo: não estamos sós. As mudanças deste final de século deram ao mundo a mesma aparência de canteiro de obras.
Como se sabe, todas as certezas ruíram em 1989. Do dia para a noite. E permanecem soterradas sob os escombros do Muro de Berlim. Chegou-se mesmo a decretar o fim da história. Hoje, é sabido que ela estava apenas começando. Ou recomeçando.
Imaginou-se, de início, que a vitória do capitalismo estivesse consolidada. Tolice. A partida está em pleno desenvolvimento. O apodrecimento das ideologias tradicionais abriu espaço para que o mundo busque o meio-termo entre o coletivismo utópico e a submissão desmedida a um mercado inclemente com o ser humano.
O lado Piauí do Brasil recomenda pressa. Para fazer o seu país, o brasileiro precisa correr atrás do tempo. Há um resto de século 20 a ser feito. No nosso caso, a melhor ideologia é o trabalho.

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