São Paulo, quarta-feira, 3 de janeiro de 1996 |
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O quintal do vizinho
JOSIAS DE SOUZA BRASÍLIA - Argentinos e brasileiros sempre cultivaram certa rivalidade. Em todas as áreas, do futebol à diplomacia. Hoje, ironicamente, os dois países são como irmãos siameses.Um nunca dependeu tanto do outro. Se a economia argentina gripar, a brasileira não escapará de alguns espirros. E vice-versa. Semana passada estive em Buenos Aires. Cidade linda. O sol, luminoso e intenso, contrastava com a fisionomia dos portenhos, algo sorumbática. A economia do vizinho exibe sinais de uma preocupante coriza. O resfriado abate o humor do argentino. Fala-se mal à beça do ministro Cavallo. Nas ruas, nos táxis, em toda parte. O presidente Menem também é fartamente espinafrado. A recessão e seus efeitos emprestam a Buenos Aires a aparência de capital de uma nação em crise. As vendas estão desaquecidas. O desemprego está em torno de 20%. Há cerca de 3 milhões de desempregados. Também na política a atmosfera é negativa. Diz-se que Menem e Cavallo estariam às turras. Além do desgaste natural, proporcionado especialmente pela gerência cotidiana do ajuste econômico, parece haver entre ambos uma guerra de vaidades. Cavallo teria ambições políticas que aborrecem o chefe. Cultivam-se em relação ao ministro argentino as mesmas suspeitas que cercam José Serra: a de que estaria interessado em utilizar o cargo como trampolim para a Presidência da República. Em outros tempos, daríamos de ombros para os problemas da vizinhança. Hoje, não. O Mercosul colocou-nos no mesmo barco. Não bastasse isso, do ponto de vista do mundo financeiro, o Plano Real não difere muito do programa de ajuste baixado na Argentina. O investidor estrangeiro despreza as dessemelhanças. Enxerga apenas os nós que atam um plano ao outro: ambos têm o destino amarrado ao comportamento do dólar e, à espera de mudanças estruturais, trabalham com os juros na estratosfera. Por todas as razões, o governo brasileiro precisa torcer para que os argentinos se acertem. Qualquer mudança agora traria problemas. A eventual saída de Cavallo, por exemplo, seria um desastre. Texto Anterior: 96 começou dia 25 Próximo Texto: Esperança à beira-mar Índice |
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