São Paulo, domingo, 7 de janeiro de 1996
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simplesmente o Tesão nacional

RICARDO KOTSCHO
FOTO BOB WOLFENSON

T de Thereza, da nega Tereza do país tropical de Jor Ben Jor, da Tereza da praia que não é de ninguém, como cantava Tom Jobim, da Tereza cansada de guerra de Jorge Amado. Morena com o jeitinho que mata brasileiro. Formas arredondadas, iguais às das mulatas de Di Cavalcanti. Viúva, como Dona Flor. Eis porque Thereza Collor é a nº 1, a preferência, a paixão nacional.

Contando, ninguém acredita. Mas, nestes últimos três anos, tudo na vida dela tem sido assim, inacreditável. Outro dia, fim de expediente na Secretaria do Turismo do Estado de Alagoas, toca o telefone. "É de Lisboa", avisa a secretária. Do outro lado do Atlântico, o homem se apresenta como deputado português, "já em terceiro mandato", e declama seu currículo antes de ir ao assunto: viu suas fotos numa revista e, desde então, não consegue dormir.
-Sonho com a senhora todas as noites. Nunca vi mulher mais bela. Quero ir ao Brasil para conhecê-la.
Sempre risonha e gentil, já habituada a esses cortejos, ela se limitou a cumprir um de seus papéis -o de promover o turismo de sua terra- e dissimulou. Falou que ficaria muito feliz se o deputado pudesse conhecer as belezas do Nordeste, ofereceu-lhe algumas dicas e, bem, pensou que o havia dispensado.
Que nada. O homem entendeu a gentileza como um convite:
-Pois, então, na próxima semana estarei aí com a senhora!
-Não, não, ando muito ocupada, melhor deixar mais para a frente...
Vestidos curtos
Desde que deixou o anonimato e o conforto de sua casa no Jardim Petrópolis, em Maceió, onde criava os dois filhos, para acompanhar o marido Pedro em sua cruzada fratricida contra a corrupção, que acabou arrancando o irmão Fernando da presidência da República, Maria Thereza Pereira Lyra Collor de Mello nunca mais teve sossego.
Virou a mulher mais cobiçada pelo homem brasileiro (e, vê-se agora, também pelo homem português), primeira unanimidade nacional desde que Sônia Braga apareceu em "Gabriela". E nunca mais parou de elevar a temperatura dos lugares por onde passa com os vestidos curtos que provocam olhares compridos.
Diante dela, ninguém fica indiferente ou finge que não a viu. Além da óbvia beleza, há algo de heróico, misterioso, no olhar desta morena de 32 anos, apenas 1,59 m de altura, viúva há pouco mais de um ano, mãe de Fernando, 12, e Vítor, 8.
Nem as mulheres escapam do encanto. Em um encontro de municípios, em Maragogi, no litoral norte de Alagoas, Thereza quase não pôde falar da sua área -a maior atração turística era ela mesma. Cercada de gente que queria autógrafos e tirar fotografias, mal conseguiu encontrar um canto para almoçar no restaurante do hotel. No que se sentou, veio uma mulher, já se desculpando.
-Dona Thereza, fique tranquila, não vou incomodar. Posso sentar naquela mesa só para ficar vendo?
Vai estrear na TV
Situações como essa fazem parte da rotina da desta rica herdeira de senhores de engenho que fez sua estréia na vida pública em 95 e, agora, chega, finalmente, à televisão.
Secretária de Turismo de Alagoas e presidenta da Fundação Teatro Deodoro, ela começou a gravar um documentário no final do ano, em São Paulo. Será apresentadora de "Histórias do Brasil", produção da Gazeta Mercantil dirigida por Sergio Mattar e Fernando Faro, com direção de arte de Caetano Veloso e músicas de Chico Buarque de Holanda, que deve estrear em março na TV.
Ao voltar do trabalho, no final de seu primeiro dia de gravações no Museu do Ipiranga, Thereza iluminou o saguão do Maksoud, hotel onde viveu os momentos mais difíceis de sua vida e onde sempre se hospeda quando vem a São Paulo.
Aqui, sua beleza, até então doméstica, foi revelada ao país no início de 1992, enquanto Pedro Collor se submetia a exames para provar que não era louco (como dizia a mãe, Léda) depois de ter chamado o irmão presidente de ladrão e detonado o processo que levou ao impeachment de Fernando Collor de Mello.
"Vou ficar doida", vai logo anunciando, depois de pedir desculpas pelo atraso. São mais de nove da noite, mas ela está disposta como se fossem nove da manhã, feliz da vida com seu brinquedo novo -a TV.
Usa o celular de Pedro
Thereza busca um lugar mais tranquilo no hall, pede uma água e começa a falar sem parar. Foi em meados do ano passado que ela topou na hora este novo desafio.
"Quando me fizeram o convite, logo me empolguei, mas depois fiquei pensando: 'como é que vou me encaixar neste projeto?' Fiquei surpresa porque vou trabalhar junto com gente como o Mário Henrique Simonsen, o Darcy Ribeiro, o Pérsio Arida, já pensou?... O Luiz Fernando (Levy, dono da Gazeta Mercantil) me falou que eu tinha o perfil do programa, uma pessoa transparente, com uma conduta séria. Sei que eu passo isso", conta, sem nenhuma afetação, quando o celular toca.
"Ainda uso o celular do Pedro, o número é o mesmo. Até hoje tem gente ligando, pedindo coisas", justifica-se. Não é só o telefone que interrompe nossa conversa. Todo mundo que passa e a reconhece acha que tem de lhe falar alguma coisa, nem que seja um "oi, Thereza, tudo bem?", cheio de intimidade.
Empolgada com seu primeiro dia de artista de TV, ela diz que, no começo, os filhos estranharam o novo papel, mas agora só querem saber quando o programa vai passar. Nunca foi "cê-dê-efe"
Sua única experiência anterior tinha sido a gravação de um comercial para a Perdigão. A dificuldade maior, diz, vai ser encontrar tempo para decorar os textos. Formada em História, Thereza explica que "nem na escola era 'cê-dê-efe', não gostava de decorar as coisas".
Como em tudo na sua vida, não teve muito tempo para pensar. "De repente, me vi gravando...". Vai juntando gente em volta dela, no Maksoud Plaza, como lá em Maragogi, elegantes senhoras que só querem ficar olhando para ela, ter certeza de que é mesmo Thereza Collor, a viúva musa do Brasil.
"Naquele momento difícil das denúncias do Pedro, agi conforme minha consciência mandava. Por minha índole, meu caráter, teria assumido a mesma postura de novo. Você acha que se planeja um negócio desses? O tempo todo eu fui companheira do Pedro. Depois que ele morreu, assumi um cargo público. Por isso, continuei em evidência. Muita gente ficou surpresa porque aceitei e trabalho mesmo...".
Vem o dono do hotel, Roberto Maksoud, querendo saber se está tudo bem; vem cumprimentá-la efusivamente uma velha amiga, Ana Maria Monteiro de Carvalho, irmã mais velha de Lilibeth, a primeira mulher de Fernando Collor; vem um conjunto e toca cada vez mais alto músicas que parecem ser árabes; vem a garçonete a toda hora perguntar se ela quer mais alguma coisa -e, no meio deste circo armado em volta dela, Thereza procura entender o que está acontecendo com ela.
"Acho que as pessoas vêem em mim alguém que batalha, que tem força para passar por cima das adversidades. Eu não procuro as coisas, mas também não fujo. Converso com todo mundo, não ando com seguranças, dirijo meu próprio carro" (um Golf cinza-chumbo). "O corpo cheinho"
Quando viaja -pelo menos uma semana por mês, ela fica fora de Alagoas-, deixa tudo nas mãos do seu pequeno staff, meia dúzia de pessoas que antes trabalhavam com Pedro.
Os meninos ficam por conta da madrinha, a Dida, que ajudou a criar o pai deles. Thereza se casou cedo -"só esperei completar 18 anos"- e não esperava um dia entrar no estúdio do fotógrafo Bob Wolfenson.
Hoje, com naturalidade, como se tivesse nascido para isto, prepara-se para mais uma sessão de fotos neste estúdio do Alto de Pinheiros, obediente aos cuidados de Ana Maclaren, responsável pelo make-up.
Wolfenson, que já clicou 200 das mulheres mais belas do país em 25 anos de estúdio, fica acompanhando o trabalho de longe e constata: "A beleza dela é Brasil. É a síntese da beleza brasileira -a morenice, a pouca altura, o corpo cheinho".
Simplezinha em seu trench coat cor-de-rosa, que cobre uma camiseta da mesma cor, calça executiva creme, Thereza tira os sapatos, e, ao som de Milton Nascimento e Marisa Monte, Wolfenson e seus três assistentes dão início ao espetáculo.
A moça das Alagoas parece uma veterana e não se acanha em subir num banco para ver melhor a Hasselblad do fotógrafo montada num tripé. "Já se foi o tempo em que achava ruim ser baixinha", brinca, depois do primeiro tempo de poses.
"Ela é linda!", decreta ele ao colocar mais um filme na máquina (até o final, serão mais de vinte, num total de 120 fotos). Depois de duras horas de trabalho, o fotógrafo se empolga. "Linda, maravilhosa, não se mexa, assim, mãos no ombro."
Sentada, deitada no chão, de cócoras, de pé, séria, sorrindo, agora de joelhos, ela se diverte com tudo. Pela sua alegria, parece que Wolfenson encontrou um tesouro, mas ele ainda quer mais. Manda Thereza tirar a maquiagem, o lenço, o relógio, os anéis, e prender o cabelo. Faz o avesso do avesso de Thereza. E não demora em gritar. "É a foto!"
Não vai ao cabeleireiro
Então, Thereza põe os sapatos e adereços todos, dá uns telefonemas, despede-se e segue para mais um compromisso, no bairro do Morumbi, agora no papel de mulher de negócios. Supersticiosa, pede que não escreva sobre isto. "Só depois que der certo, se não..."
Tento retomar meu roteiro para descobrir sues mistérios. Não é fácil. Ela não se fixa em assunto algum, voa. A pergunta inevitável: o que houve, afinal, entre ela e Fernando que deixou Pedro tão bravo? Pergunto se ela assistiu ao "SBT Repórter" em que, questionado por Roberto Cabrini, Fernando deixou a questão em aberto: "Não digo que sim, nem que não", fugiu o ex-presidente.
Thereza diz que viu o programa, sim, fica séria. "Não quero misturar as histórias dos Collor nesta conversa. Falar disso é retrocesso. São eles lá e eu cá. Que eles sejam muito felizes. Vou defender a memória do Pedro em qualquer lugar."
O fato é que ela conseguiu ser a única personagem importante da tragédia que se abateu sobre a família e o país a sair inteira da história. "Não me arrependo de nada. Graças a Deus, estou com força para educar meus meninos. Faria tudo de novo."
Por isso mesmo, talvez, é que lhe atribuam tantos amores nas colunas sociais, quase um por semana em seu primeiro ano de viuvez (completado no último dia 19 de dezembro).
Ela não é mulher de fazer planos. De política não quer nem ouvir falar e devolve a pergunta: "Você acha que vale a pena se meter nisto?"
Ela deixa de lado os pensamentos negativos e ri de uma bobagem qualquer que ouviu no celular. Qual é o segredo desta alegria? "Tem de pegar mais leve, estar de bem com a vida. O que vier está bem-vindo."
A receita da beleza? "A única receita que conheço é você tomar muita água, não usar maquiagem, não fumar, não beber. Nem a cabeleireiro eu vou. Tenho a sorte de viver num lugar úmido, não preciso usar cremes. Quando precisei, uma vez, usei o Hipoglós dos meninos..."
Thereza, que Pedro chamava de Coquinho e seus irmãos de Tete, chega ao final do seu destino. Breve, ela estará na TV. Não perca.

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