São Paulo, terça-feira, 16 de janeiro de 1996
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Divergências e sintonias

SONIA CORRÊA

Entre 1994 e 1995 as relações entre o Brasil e a Argentina foram marcadas por desentendimentos. O mais debatido foi o conflito acerca das cotas de importação de automóveis. Entretanto, divergências menos discutidas podem ser identificadas nas posições adotadas pelos dois países com relação às questões de saúde reprodutiva.
Na Conferência Internacional de População e Desenvolvimento (Cairo, 1994) e na 4ª Conferência sobre Mulher, Desenvolvimento e Paz (Beijing, 1995), a Argentina se alinhou abertamente às posições defendidas pelo Vaticano, levantando reservas com relação aos acordos de saúde e direitos reprodutivos e, mais especificamente, no que se refere ao aborto.
O Brasil, ao contrário, firmou posições progressistas. No Cairo, contribuiu para que o aborto fosse reconhecido como problema de saúde pública. Em Beijing, apoiou o princípio (parágrafo 107K) que recomenda a revisão das atuais legislações punitivas com relação ao procedimento. Essas posições, entretanto, não correspondem aos debates que vêm ocorrendo nos parlamentos dos dois países.
Na Argentina, até 1986, era proibida a distribuição de métodos anticoncepcionais pelo sistema público de saúde. O embargo foi suspenso pelo governo Alfonsín, mas a Igreja Católica tem impedido a implementação de programas de assistência à anticoncepção. No dia 1º de novembro de 1995, porém, o Congresso Nacional argentino aprovou uma nova legislação. Na lista de métodos anticoncepcionais a serem distribuídos pelo Ministério da Saúde inclui-se o dispositivo intra-uterino, considerado abortivo pela Igreja Católica.
No Brasil, em 27 de setembro, a Comissão de Seguridade Social do Congresso aprovou projeto que regulamenta a oferta de serviços de aborto na rede pública de saúde, nos casos permitidos pelo Código Penal (estupro e risco de vida para a mãe). Em outubro, porém, instalou-se uma comissão especial para avaliar a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que pretende introduzir no preâmbulo constitucional o preceito de direito à vida desde a concepção. Se aprovada, a emenda elimina os dois permissivos existentes no Código Penal. O relatório da Comissão -que propõe o arquivamento da PEC- será votado pelo plenário neste ano.
Em novembro, o Congresso argentino desafiou abertamente a posição defendida pelo governo Menem. Nosso Congresso não enfrenta o mesmo dilema. Ao indeferir a PEC, os parlamentares brasileiros estarão alinhados com a posição adotada pelo Brasil no plano global. O arquivamento definitivo da proposta também irá expressar sintonia entre as agendas parlamentares e das sociedades civis brasileira e argentina. Pode abrir novos caminhos para a integração no contexto do Mercosul.

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