São Paulo, terça-feira, 16 de janeiro de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Bola pra frente

LUÍS PAULO ROSENBERG

Começamos o ano novo com possibilidades bem concretas de acumularmos, até dezembro, a primeira inflação brasileira anual de um dígito, do último século. Não é pouco, para um país que há ano e meio acreditava que 50% ao mês era a normalidade que tínhamos de aceitar. O importante é que esta vitória vem calçada em contas externas equilibradas, exportações em crescimento, reservas internacionais até excessivas e muita confiança da comunidade mundial na seriedade dos propósitos governamentais. Donde a legitimidade técnica do Real, ancorado no câmbio sim, mas sem pertencer à estirpe dos planos de estabilização à mexicana, que valorizam artificialmente sua moeda e tampam a inflação com o manto do atraso cambial, do endividamento externo explosivo e o fracasso contratado, na virada da esquina.
As pesquisas de opinião pública confirmam também a legitimidade política do Real. Apesar do desemprego crescente dos últimos meses e dos recordes de pedidos de falências e concordatas, a sociedade gostosamente abraça a moeda estável, o fim da erosão salarial imprevisível. O governo sabe que, enquanto a inflação estiver em queda, a gratidão geral será sempre superior à mobilização dos interesses particulares, agredidos pela lógica do Real. Pode-se, portanto, apostar, confiantemente, que a estabilidade dos preços será a principal prioridade do governo FHC.
Se o plano está dando certo e o governo está comprometido com sua manutenção, por que persistem as críticas à pilotagem do Real e os temores quanto ao seu futuro? Por duas razões: em primeiro lugar, o governo acerta no atacado, mas peca frequentemente no varejo. Ademais, sucesso a curto prazo não assegura êxito a médio e longo prazos.
O acerto no atacado passa pela correta política cambial atual, os compromissos com abertura econômica e política monetária apertada e o desejo de equilibrar as contas públicas. Entretanto, sai, a cada dia, uma nova medida, limitando a importação de algum bem, à revelia da lógica do plano. Assim, as montadoras de veículos ganharam uma vantagem competitiva injustificável, perante os demais fabricantes internacionais de automóveis, com a regalia de poder importar à uma alíquota 50% inferior à da concorrência. Os juros tardaram a cair e, agora, diminuem a passos de cágado, fala-se em equilíbrio fiscal, mas 95 fechou com um déficit nas contas do Tesouro de 1,1% do PIB (Produto Interno Bruto), a despeito de um crescimento da arrecadação de 30%, demonstrando uma propensão tucana ao gasto, verdadeiro atentado ao pudor de um programa de estabilização, que só pode exigir sacrifícios do setor privado depois de cortar até o osso o setor público.
O resultado destas contradições é que o plano sobrevive, mas num clima de incertezas, impondo ao setor privado um sofrimento muito maior do que seria necessário, criando injustiças e comprometendo a base de apoio partidário do governo. O que nos leva à segunda razão de desconfiança quanto aos desdobramentos do Real: a eficácia governamental em viabilizá-lo a médio prazo. Realmente, o candidato Fernando Henrique sempre deixou claro que, sem reformas estruturais, o real não vale um caracol. Pode durar dois, três anos, mas se não houver queda do custo Brasil, a combinação de âncora cambial, juros extorsivos, gasto público excessivo e tributação exagerada levará ao aniquilamento da empresa brasileira e, consequentemente, à inviabilização política do plano de estabilização. E os avanços na direção da modernidade tem sido pífios. Ao invés da reforma tributária redutora da carga fiscal, discute a criação de novos encargos. A reforma da Previdência não anda. A privatização do porto de Santos está engavetada. O pior é que os incidentes políticos do mês passado demonstram que o suporte político do governo, indispensável à aprovação das reformas estruturais, está-se esfacelando.
O presidente retornou da China com vontade de recuperar o tempo perdido, colar os cacos e viabilizar sua reeleição mostrando resultados. O equacionamento dos casos Banerj, Banespa e Econômico foi um bom recomeço. Peitar o funcionalismo civil e militar, negando-se a conceder reajuste salarial, seria outra demonstração imprescindível de compromisso com a austeridade fiscal. Avançar nas reformas, assumindo a liderança na apresentação de propostas corajosas e não cosméticas, seria o passo decisivo.
A hora é agora.

Texto Anterior: Viabilidade duvidosa; Sem ilusões; Passando o abacaxi; Previdência complementar; Pela reciprocidade; Em funcionamento; Experiência acumulada; Novo mercado; Farpas na construção; Contra o corporativismo; Mordomia disputada; Haja Lobby; Aval superior; Apostando as fichas; Na semeadura; Suco de laranja; Perdendo altura
Próximo Texto: Petrobrás: A Próxima Vítima?
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.