São Paulo, terça-feira, 16 de janeiro de 1996
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Nuvens negras

FERNANDO CANZIAN

SÃO PAULO - O governo federal deve gastar em 96 o dobro do dinheiro que os presidentes anteriores a Itamar Franco usavam para pagar funcionários.
A conta vai dobrar assim que o governo reajustar em pelo menos 10,83% os salários dos servidores públicos federais, eliminando o resíduo do IPC-R (Índice de Preços ao Consumidor do Real) não aplicado em 95.
Apesar do argumento ainda inexorável da falta de dinheiro, cedo ou tarde o governo vai ceder -e o valor mágico da conta que dobra aparecerá.
Quando isso acontecer, a folha de salários projetará gastos este ano de R$ 43 bilhões, R$ 3,5 bilhões acima de 95.
O Brasil é um país grande, com um Estado gigantesco. O tamanho dessa folha poderia até não ser exagerado se houvesse dinheiro para pagá-la. Os EUA, por exemplo, têm mais funcionários públicos do que o Brasil. Lá, eles representam 15,5% da população economicamente ativa. Aqui, são 9,4%.
A diferença, como vimos no caso dos vistos nos consulados, é que nos EUA o serviço público pára de um dia para o outro quando falta verba no Orçamento.
No Brasil é diferente: o Orçamento de 95 previa R$ 31,2 bilhões para salários, mas gastamos R$ 39,5 bilhões, segundo dados preliminares do Tesouro.
Cobrimos a diferença com um forte aumento na arrecadação de impostos, de 31% sobre 94 (mais R$ 20 bilhões).
Mesmo tendo usado quase a metade dessa arrecadação adicional para pagar funcionários, teriam sobrado mais de R$ 10 bilhões. Seria um "band-aid" bem-vindo se fosse aplicado em hospitais ou no seguro-desemprego.
Mas não. O resto do dinheiro teve destino "mais nobre" do ponto de vista macroeconômico. Pagou a rolagem (de R$ 16 bilhões) da dívida interna, inchada por um dos maiores juros do planeta.
No final das contas, receita menos despesas, o saldo de 95 foi um déficit operacional de quase R$ 3,5 bilhões.
E quem são os responsáveis, afinal? Não os contribuintes, que evitaram um colapso maior pagando mais impostos.
Sobram os políticos, com uma espécie de covardia em decidir qualquer coisa sobre a reforma administrativa que enxugaria o Estado, e um ministro, que domingo prometeu nesta Folha cortar o juro pela metade até o final de 96.
Por fim, há tentativas úteis, como a de Santa Catarina, de simplesmente tentar seguir a Constituição e gastar com salários menos do que 60% da receita.

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