São Paulo, sábado, 20 de janeiro de 1996
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Proibir livros é abrir caminho para a ditadura

WALTER CENEVIVA
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Juízes de primeiro grau têm concedido medidas liminares proibindo a venda de livros biográficos ou críticos de figuras conhecidas do público. Ou seja: independente do mérito do conteúdo de tais obras, sua circulação comercial é proibida, através de liminar, na qual o magistrado faz exame superficial das alegações feitas pela parte.
Constitui sério problema para o profissional jurídico colocar em confronto dois direitos equivalentes ou merecedores de igual ponderação técnica, quando suscitados em questões que se opõem. No caso das liminares, o confronto e a oposição existem entre o pleno exercício do poder jurisdicional, atribuído à magistratura e à inviolabilidade da manifestação intelectual, aquele e esta assegurados pela Constituição.
Dou breve informação sobre o que existe na Carta Magna para ajudar o leitor que não trabalhe profissionalmente com o direito. O inciso 9º do artigo 5º da Constituição diz: "é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença".
Entenda bem: a expressão é livre. Não só a própria atividade, mas a exteriorização dela, por todos os meios técnicos disponíveis. A liberdade de manifestação do pensamento, que atinja todos os destinatários possíveis, é inviolável, apenas proibido o anonimato.
Examinemos, agora, o lado judicial. O mesmo art. 5º da Carta, determina no inciso 35 que "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito". Toda pessoa, física ou jurídica, cujo direito seja prejudicado ou ameaçado de ofensa ou dano, pode pedir ao magistrado competente que lhe assegure proteção. A proteção não é apenas para reparar o direito ofendido. Serve, em certos casos, para proteger a pessoa, impedindo que a ameaça ao direito se transforme em realidade.
Enfim, para compreender as alternativas constitucionais, é necessário lembrar a condição do Brasil como Estado Democrático de Direito, o que leva ao imprescindível exame da história: as piores ditaduras exerceram seu poder proibindo, queimando, destruindo livros, sem indagar seus méritos, mas com o exclusivo propósito de cercear a livre difusão das idéias.
Há perigo potencial em liminares recentes, mais destinadas à empolgação pública (ainda que mal lançadas) do que para realizar o direito. Nem cuido dos grandes prejuízos provocados pela retenção de edições inteiras de livros. Trato apenas da inviolabilidade do direito de manifestação.
Daqui a pouco haverá juízes concedendo liminares contra a circulação de jornais e revistas; contra a difusão de programas televisivos, novelas e peças teatrais, com uma força que seria capaz de surpreender o próprio Hitler.
Teori Albino Zavaski, juiz do Tribunal Federal de Porto Alegre, diz bem que "a liminar é ato jurisdicional de exceção" e adita, "que pode e deve ser concedida, mas sob os princípios da efetiva necessidade e da menor restrição possível".
Se o livro ofender a vida, a intimidade ou a honra de alguém, será necessário que a lei e o juiz punam severamente o ofensor, com reparação adequada do dano moral, que a Carta Magna preserva. Vedar, porém, liminarmente, a venda ao público, sem qualquer avaliação séria dos valores envolvidos, que estão na própria essência da vida democrática, excede os limites da preservação da liberdade de pensamento.
É chamar atenção sobre a necessidade de conter o exercício judicial, para impedir absurdos, em resultado também apto a ferir de morte a desejada paz democrática.

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