São Paulo, domingo, 21 de janeiro de 1996
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Acordo governo-centrais ignora maiores problemas da Previdência

ANA MARIA MANDIM
ENVIADA ESPECIAL A BRASÍLIA

Ao criar o Sistema de Seguridade Social, englobando Previdência, Saúde e Assistência Social, a Constituição de 1988 deu a partida para uma monumental confusão entre fontes de receita e destinatários das despesas. E os maiores prejudicados foram a Previdência, a Saúde, a Assistência Social e, na realidade, os próprios trabalhadores.
As medidas que estabelecem um primeiro consenso entre governo e centrais sindicais (veja quadro nesta página) chegam a tocar em alguns dos problemas do sistema, mas estão longe de equacioná-los. Razão por que a reforma da Previdência está sendo chamada, mais apropriadamente, de ajuste.
"O orçamento da Seguridade virou um saco de gatos, sem transparência para a sociedade. Não se sabe quanto se gasta e em quê", afirma Francisco Eduardo de Oliveira, economista do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), conhecido como "Chico Previdência".
Um dos efeitos da "confusão" foi permitir que o governo avançasse nos recursos da Seguridade Social, utilizando-os para o pagamento de despesas dos ministérios militares, da Fazenda, do Planejamento, da Justiça, do Tribunal de Contas da União e da Câmara dos Deputados, entre outros.
Uma das medidas acertadas entre governo e sindicalistas impede que outras áreas do governo metam a mão na Previdência. Essa é, por exemplo, uma das principais conquistas apontadas no acordo por Vicente Paulo da Silva, o Vicentinho, presidente da CUT (leia entrevista à página 1-10).
Segundo a Anfip (Associação Nacional dos Fiscais de Contribuições Previdenciárias), o Tesouro Nacional reteve, em 1994 e 1995, um total de R$ 13 bilhões da Seguridade Social.
Esses recursos provinham da arrecadação do Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade, incidente sobre o faturamento das empresas) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido.
Ambas as contribuições, de acordo com o artigo 195 da Constituição, estão vinculadas ao financiamento da Saúde e da Assistência Social.
Oliveira diz que, em contrapartida, a União vem investindo somas equivalentes no sistema de saúde, compensando o "desvio" das contribuições. "Mas tudo isso é uma vasta zorra, que confunde até quem entende do assunto."
Contribuição
Entre os vários especialistas ouvidos pela Folha, nenhum deixou de reconhecer o alcance social de medidas como a incorporação dos trabalhadores rurais e de outros grupos sociais ao sistema previdenciário, estabelecida pela Constituição de 88.
O problema é que, como o regime previdenciário depende das contribuições para perpetuar-se, a adesão de contingentes que não contribuem, como é o caso dos trabalhadores rurais, inviabiliza o sistema a longo prazo.
Outra dificuldade, que nem o governo nem as centrais sindicais enfrentaram -e o recente acordo não tocou- é o privilégio dos funcionários públicos de aposentar-se com vencimentos integrais, enquanto para os trabalhadores do setor privado vigorará um teto de R$ 1.000,00 (hoje de R$ 832,00).
Discrepância
Kaizô Iwakami Beltrão, funcionário do IBGE especialista em Previdência, afirma que, para receber vencimentos integrais durante 30 anos, o funcionário teria de contribuir durante toda a vida ativa com algo próximo a 100% de sua remuneração. "Como isso não ocorre, o sistema como um todo paga a diferença."
A Anfip argumenta que o funcionário público deve ter uma compensação pelo fato de não ter acesso à Justiça do Trabalho e depender da boa vontade do Poder Público para obter reajustes.
Beltrão aponta outro aspecto esquecido na reforma da Previdência: a diferença de idade de aposentadoria entre homens e mulheres. "Não existe motivo para a mulher aposentar-se mais cedo do que o homem, inclusive porque sua expectativa de vida é maior."
Ele diz que a Comunidade Européia aboliu a diferença de idade por considerá-la discriminatória em relação à mulher. Oliveira e Beltrão prevêem que, a partir deste ano, o sistema começará a registrar déficits de R$ 2,5 bilhões.
O secretário de Previdência Social do ministério da Previdência, Marcelo Estevão de Moraes, afirma que, a partir de julho de 1995, pela primeira vez "desde sempre", a Previdência registrou déficit "em relação à capacidade de arrecadar para pagar os benefícios". A diferença foi coberta pelo Tesouro, segundo ele.
O economista Décio Munhoz, ex-reitor da Universidade de Brasília e conhecido especialista em cálculo atuarial, diz o contrário: a relação ativos/inativos é de 4,2 contribuintes por beneficiário, se excluído o contingente de trabalhadores rurais. O sistema, segundo ele, está equilibrado.

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