São Paulo, segunda-feira, 22 de janeiro de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Governo e desgoverno

ELVIO ALIPRANDI

Sabemos, nas empresas, da importância do planejamento. Nossos governantes, pelo contrário, a toda hora demonstram ignorância completa em relação a essa ferramenta, essencial para a boa administração. Na iniciativa privada, preocupamo-nos em identificar com clareza nossos objetivos, a partir de uma definição clara de qual é o nosso negócio, quais as características principais de nosso ramo. O contrário, por todos os indícios, acontece no governo -especialmente se o consideramos em sua acepção completa, que abrange a União, os Estados, os municípios, os três níveis do Legislativo e as várias instâncias do Judiciário.
Se o governo, em seu sentido amplo, fosse uma entidade de vida própria, auto-suficiente, até que as empresas e os cidadãos não teriam o que criticar ou reclamar. Errou? Teve prejuízo? Que arque com as consequências. Mas acontece que o governo é satélite, não tem luz própria, depende da arrecadação que aufere junto às empresas, aos assalariados, aos profissionais liberais. Portanto, a condição de quem efetivamente banca as contas e despesas já autoriza a vigilância permanente que o cidadão deve manter sobre os governantes.
Existe, no entanto, um outro dado ainda mais significativo: é que o governo, além de depender do contribuinte, intefere em sua vida. Projetos, portarias, leis, medidas de toda ordem são baixadas pelos governantes e incidem diretamente sobre nossas vidas, nossas atividades. Esse dado confere autoridade ainda maior para o dever cívico de apontar erros e exigir correção.
Talvez o maior erro cometido pelos governos de hoje e de sempre seja o de ignorar seu papel. Um vício histórico, crônico, leva nossas autoridades a intervir na economia, acreditando ser esse o seu papel. Enquanto existiu uma superpotência socialista talvez até fosse admissível essa ilusão de que o dirigismo estatal tivesse eficiência. Mas o império socialista trincou há quase duas décadas e desmoronou de vez há mais de seis anos. Não se pode mais admitir que alguma autoridade ainda acredite na eficácia de controles oficiais que vão do crediário aos preços agrícolas, das alíquotas para importação às taxas de juros. Isso não funciona!
A prova de que não funciona está nos registros diários de falências, no nível crescente de desemprego, na estagnação que se alastra por vários setores da economia, em toda uma região inteiramente parada, como se vê atualmente no Nordeste. O período de final de ano, que tradicionalmente representa plena safra para indústria e comércio, em 1995, veio embrulhado na nuvem negra da incerteza. A desconfiança do consumidor contamina o varejo, que contagia o atacado, que infecciona a indústria. De uma extremidade a outra da cadeia produtiva, o que se vê, nos dias de hoje, é a perplexidade. Ninguém sabe que novas medidas os governantes vão baixar, nem quando, nem como.
Se planejasse a partir de parâmetros dados por suas natureza e vocação, o governo poderia ser de grande ajuda. A educação, por exemplo, é uma área prioritária para o governo. União, Estados, municípios, Legislativo e Judiciário em geral deveriam eleger a educação como principal de suas ações, pensando em preparar as próximas gerações para os constantes avanços tecnológicos. Agindo assim, o governo forneceria mão-de-obra qualificada que tornaria os nossos produtos de fato competitivos. O mesmo pode ser dito em relação à carga tributária, que no Brasil entrava a produção. O mesmo -e com especial ênfase- pode ser dito em relação aos juros, que nos dias atuais assustam quem precise de capital para crescer ou iniciar algum empreendimento.
O que se verifica, na verdade, é o seguinte: há governo demais, onde a presença governamental é dispensável, e falta de governo, onde é necessária a ação governamental.

Texto Anterior: A perspectiva militar
Próximo Texto: Dunkin' Donuts faz 50 anos
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.