São Paulo, segunda-feira, 22 de janeiro de 1996
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O BC e as taxas do crédito

LUÍS NASSIF

Pelas declarações da semana passada, o presidente Fernando Henrique Cardoso conseguiu entender que há duas taxas de juros distintas na economia: a dos títulos públicos, que deve cair para 20% ao ano, e as de crédito, que podem superar 200% ao ano. É meio avanço.
O presidente e seu ministro da Fazenda, Pedro Malan, continuam utilizando a política do avestruz, de considerar que taxas de juros de títulos públicos são problema do Banco Central. E taxas de crédito são problema dos bancos.
As taxas dos títulos públicos são peça de uma política muito mais ampla, que contempla toda a estrutura de juros da economia.
Se o BC reduz as taxas dos títulos públicos, e as taxas de crédito não acompanham, é evidente que a política monetária não está funcionando.
Não se resolve essa questão com "apelos" aos bancos -conforme fez o presidente na semana passada-, mas analisando objetivamente a questão, e não fugindo às responsabilidades do cargo.
Se a função do BC fosse restrita à mera arbitragem de taxas de títulos públicos, faria melhor montando uma banquinha no centro financeiro de São Paulo e oferecendo seus produtos. E sugerindo uma nova instituição para administrar a política monetária.
Reféns
O primeiro passo para solucionar esse imbróglio é entender a natureza do processo.
Com a implantação do Real, os bancos deixaram de se apropriar dos ganhos inflacionários. Sem espaço para aumentar as tarifas -devido à competição no setor- encontraram no crédito a maneira de preservar os lucros.
Foram auxiliados pela política creditícia solta, praticada pelo Banco Central no segundo semestre de 1994 -quando era presidido pelo ministro Malan. Depois de tornar a economia dependente de crédito, o BC fechou a torneira abruptamente, deixando os tomadores reféns do endividamento.
Quando sobreveio a primeira onda de inadimplência, a maioria dos bancos criou uma rotina mortífera em sua relação com os clientes. Passou a rolar as dívidas, mas jogando nas costas dos adimplentes todo seu custo operacional (que não podia ser repassado para as tarifas) e o prejuízo que estavam tendo com a inadimplência.
A lógica era simples. O investidor pode mudar de banco. Já o devedor está preso, porque não vai conseguir crédito em outra instituição para quitar seu passivo.
Cobre-se o máximo possível do devedor. Se ele conseguir pagar durante quatro ou cinco meses, o lucro obtido compensa os prejuízos advindos com sua quebra -que será inevitável.
Cálculos
Essa postura, somada aos tributos que incidem sobre as operações, criou uma situação dantesca.
Confere-se em dois exemplos:
1) Um cliente -pessoa física ou jurídica- que tivesse tomado um financiamento de R$ 10 mil por dez meses, a uma taxa de juros de 3% ao mês (ou 43% ao ano), pagaria prestação mensal de R$ 1.172,00, para quitar completamente o empréstimo. Com taxas de juros de 12% ao mês, o cliente passou a pagar R$ 1.200,00 de juros e, ao final de dez meses, continuava devendo integralmente o empréstimo.
2) Na mesma situação anterior, a taxas de 8% ao mês (taxa módica para pessoa jurídica), com o que pagou de juros, em dez meses, o cliente teria quitado mais da metade da dívida, caso o financiamento rolasse a taxas (altas) de 3% ao mês.
Ovos de ouro
Os bancos sabem que estão matando os clientes. Mas nenhum vai agir individualmente para minorar a situação, porque julga que se ele afrouxar, o cliente dará prioridade para quitar dívidas com outros bancos.
Trata-se de um daqueles casos clássicos de desarticulação dos agentes econômicos, que só pode ser resolvido pelo papel regulador da autoridade.
É responsabilidade direta do ministro da Fazenda e do Banco Central -por mais que o ministro Malan tente lavar as mãos.
O que o BC tem a fazer é sair do imobilismo atual, reunir os bancos e negociar condições globais para romper com essa situação.
O BC tem instrumentos para dirigir o compulsório para renegociações decentes de dívidas. A Receita pode reduzir mais ainda taxas que incidem sobre as operações. E os bancos podem reduzir, muito, suas margens.

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