São Paulo, segunda-feira, 22 de janeiro de 1996
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Agora, esqueçam o que assinei

VAGUINALDO MARINHEIRO

SÃO PAULO - No início do governo, o presidente Fernando Henrique Cardoso disse: "Esqueçam o que escrevi". Ele se referia a seus livros de sociologia e tentava evitar cobranças e comparações entre o escrito e o feito.
Agora, FHC diz esqueçam o que assinei, no desastroso caso do veto aos artigos aprovados pelo Congresso e que permitiriam a realização de laqueaduras e vasectomias nos hospitais públicos.
Esse novo caso é ainda mais preocupante. Como não desconfiar de um presidente que parece assinar leis sem prestar muita atenção?
Em um regime presidencialista como o nosso, esperamos que o presidente saiba o que está fazendo e que sua assinatura valha uma convicção.
E não serve como desculpa o fato de que o presidente teria sido induzido a erro por pareceres jurídicos feitos no Ministério da Saúde.
Fernando Henrique sempre se mostra muito cioso de sua capacidade intelectual. Não perde oportunidade de exibir que é um presidente poliglota, intelectual respeitado internacionalmente e citador de clássicos da ciência política.
Um presidente assim não pode deixar-se enganar por técnicos ministeriais. Além do que, para um sociólogo casado com uma antropóloga, o assunto planejamento familiar é obrigatoriamente mais que familiar.
FHC mostrou humildade e agilidade ao reconhecer o erro e ao pedir que o Congresso derrube seu veto, numa espécie de apelo a que os parlamentares desfaçam a burrada que ele fez.
Mas é pouco. A derrubada do veto depende da concordância da maioria absoluta dos congressistas. Até que o governo consiga reunir esse número de deputados e senadores a esterilização continua sendo privilégio de quem tem dinheiro para pagar ou de quem mora em São Paulo, onde uma lei municipal garante a realização de laqueadura e vasectomia nos hospitais públicos.
Para a maioria da população brasileira, que também por culpa de presidentes é monoglota, mal-alfabetizada e citadora de novelas globais, seria mais seguro que FHC tivesse menos pose e garantisse que o que escreve deve ser levado em conta, lembrado e seguido.

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