São Paulo, quarta-feira, 9 de outubro de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Zarif mostra retratos contra o óbvio

SÉRGIO DÁVILA
EDITOR DA ILUSTRADA

Tem corpo estranho no ar. Fernando Zarif, 36, que abre hoje a exposição "Os 31 Trabalhos" na galeria Millan, em São Paulo, não está nem aí para a "desmaterialização da arte no final do milênio".
Mais helênico dos duchampianos em atividade, o artista plástico paulistano não só ignora em sua mostra o tema da 23ª Bienal Internacional de São Paulo como acha tudo isso uma bobagem.
"Falar de novo que acabou o suporte é tirania, coisa de quem está fazendo pseudo-história", diz.
"O suporte já caiu tantas vezes..."
Humanista até o último fio de cabelo -"Que já são poucos", afirma-, Zarif tem influências dos brasileiros Tunga e José Rezende.
Sua última exposição foi em março, no Museu de Arte Moderna do Rio -"O Corpo Humano e Outros Corpos", em que projetava em computador esculturas feitas de esqueletos de resina.
Participou também da coletiva "Utopia", na Casa das Rosas, em São Paulo, há dois meses. Sua obra era uma porta de 1 metro e meio de espessura com uma chave de 1 metro e meio de segredo.
Entre os 31 trabalhos, a maior parte são retratos em tela. Figurativos, com 50 cm por 60 cm de tamanho, em média, têm o diferencial nos olhos: ora são relógios, ora lentes, ora qualquer outra coisa à mão. Podem ser feitos a óleo, lápis, cabelo, pêlo e até isqueiro.
Zarif falou ontem à Folha. Leia trechos a seguir:
*
Folha - Pintar retratos -pior, figurativos- hoje não é anacrônico? A pintura não acabou? A arte não se desmaterializou?
Fernando Zarif - Outro dia, tomei um grande susto: estava com a exposição quase toda pronta, e me falaram que a pintura tinha acabado. Eu falei: "De novo! E ninguém me avisou!" (Risos)
Se a pintura não morreu com Velásquez, se não morreu com a fotografia, com Vermeer, se não morreu com o cinema, com Pollock, não morre mais.
Folha - Mas por que retratos?
Zarif - Era meu próximo desafio. Já tinha conseguido fazer arte por computador, que é um risco, quis ir para uma coisa mais perigosa, mais cafona esteticamente: o Egito. Aquela coisa do perfil, das pessoas. Acabei nos retratos.
Folha - E é arte?
Zarif - A arte só acaba no dia em que alguém conseguir mudar o mundo por meio dela. E o que a move é que ninguém conseguiu. Os Beatles quase mudaram, mas o sonho acabou antes!
Por isso que esse negócio de fazer para vender é uma besteira. Tem muita gente fazendo pintura de parede e coisa decorativa.
Folha - Quem?
Zarif - Por falta de assunto, idéia e uma preguiça que só o dinheiro de quem faz sucessinho compra, o pessoal está pintando parede em vez de melhorar o traço.
É engraçado: no vernissage que fiz no Rio de Janeiro, as pessoas iam para ver os trabalhos! Aqui em São Paulo não, é muita festa. Falta idéia, o "tema" virou desculpa. Eu acho que arte é cada vez mais agricultura.
Folha - A Bienal é agricultura?
Zarif - Fui à Bienal e tomei um grande susto com o Anish Kapoor. Ele tinha tudo para estar com o trabalho totalmente vendido, tinha tudo para ter virado uma puta.
Mas não, ele continua fazendo coisas muito legais, que você tem de olhar quatro vezes para saber se aquilo é furo, se está dentro, se está fora, se o resto é espelho.
Você próprio pigmenta a escultura dele. Maravilhoso! E o Munch -que inveja dele! "O Grito" é uma besteira perto das outras coisas dele que estão em exposição.

Exposição: Os 31 Trabalhos
Artista: Fernando Zarif
Quando: vernissage hoje, às 20h; 10h às 19h (seg a sex) e 11h às 14h (sáb), a partir de amanhã, até 29 de outubro
Onde: galeria Millan, r. Francisco Leitão, 134, Pinheiros, zona oeste, tel. 011/852-5722
Preços: de R$ 2 mil a R$ 8 mil

Texto Anterior: Coleção de dez CDs reúne mestres
Próximo Texto: Arte brasileira transgride herança internacional
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.