São Paulo, quarta-feira, 9 de outubro de 1996
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Amigos lembram riqueza de Paulo Emílio

FERNANDO DE BARROS E SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Gilda de Mello e Souza não pôde comparecer por razões de saúde, mas Antonio Candido e Décio de Almeida Prado trataram de hipnotizar cerca de 300 pessoas que foram ouvi-los falar sobre o seu amigo, escritor e crítico de cinema Paulo Emílio Salles Gomes (1916-1977), anteontem à noite no Anfiteatro da Reitoria da USP.
O encontro era o mais esperado da mostra "Paulo Emílio Ano 80", que prossegue com filmes e debates até 1º de novembro em São Paulo.
A iniciativa é do Centro Acadêmico de Filosofia da USP João Cruz Costa, do Grupo de Cinema de São Paulo e do Núcleo de Estudos Jean Maugué.
Candido elegeu a faceta política de um intelectual que, segundo ele, é dessas pessoas "que Deus faz e quebra a fôrma, pelo conjunto de qualidades interessantes e originais" que aglutina.
Décio falou sobre o único livro de ficção de Paulo Emílio, "Três Mulheres de Três PPPês", publicado no ano de sua morte.
Mostrou como há nas três novelas que compõem a obra várias referências veladas e provocações bem-humoradas aos amigos que, junto com Paulo Emílio, participaram nos anos 40 da criação da revista "Clima", em torno da qual gravitou a nata da intelectualidade paulistana naquela década.
Novidade para quase todos os presentes, Candido contou como o contato de Paulo Emílio com um intelectual italiano chamado Andrea Cafi, durante sua primeira viagem à Europa, no final dos anos 30, foi decisivo para formá-lo politicamente, influência que iria se estender à geração de "Clima".
Cafi havia participado da revolução bolchevista de 1905 e era amigo pessoal de Lênin. Pregava, nas palavras de Candido, que era "preciso pensar um novo socialismo, adequado à sociedade de massa".
Mais do que isso, dizia ser "preciso agir no presente e nas relações cotidianas de acordo com o ideal que se visa".
Cafi, prosseguiu Candido, "escrevia muito e nunca publicava. Exercia nos cafés de Paris uma espécie de método socrático de convencimento dos jovens, era mestre sem ser professor".
São traços de personalidade, disse ele, que Paulo Emílio incorporou e trouxe para o Brasil, abrindo a possibilidade de pensar o socialismo de forma nova e heterodoxa.
Quando tomou a palavra, Décio disse que era um dos personagens de "Três Mulheres de Três PPPês".
"Estou no livro, ninguém percebe que sou eu, mas eu sei que sou eu", disse, provocando risos.
Foi então mostrando como na primeira novela, "Duas Vezes com Helena", há uma brincadeira com Antonio Candido na personagem de um professor de teoria literária que suborna um garçom. "Como se sabe, nosso crítico nunca subornou ninguém", disse.
Na segunda novela, "Ermengarda com H", prosseguiu Décio, ele mesmo aparece como "Pradinho", um personagem secundário que frequentava a piscina da casa da protagonista, membro da aristocracia paulistana.
Na terceira novela, "Duas Vezes com Ela", é a geração de "Clima" que aparece satirizada na figura de jovens intelectuais que "riam muito, caçoavam uns dos outros e sobretudo de alguns nomes respeitáveis da literatura e da política".
Uma das forças do livro, disse Décio, é o contraponto entre o conservadorismo tacanho do narrador-personagem, Polydoro (o tal "P" que aparece nas três novelas), e o espírito livre e desabusado do autor, que encerrou assim uma vida sob vários aspectos luminosa como convém aos grandes mestres, rindo de si mesmo.

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