São Paulo, quarta-feira, 9 de outubro de 1996
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Mentira estéril

GILBERTO DIMENSTEIN

Qual o principal meio usado pelos americanos para evitar a gravidez?
A resposta desmoraliza uma mentira divulgada mais uma vez esta semana no Brasil -a antiga mentira de que esterilização é coisa de país pobre e subdesenvolvido.
Os casais americanos optaram pela esterilização em massa. É a alternativa anticoncepcional preferida entre 70% dos homens e mulheres depois dos 30 anos.
No geral, a taxa nos EUA é de 42%. Exatamente igual ao índice do Brasil, segundo pesquisa que saiu segunda-feira passada, coordenada pelo IBGE e realizada pela Bemfam em 800 municípios.
A diferença: esterilização brasileira é apresentada como "alarmante", como se fosse crime. Crime é uma mulher pobre não parar de engravidar e de ter filhos.
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A esterilização clandestina está por trás de uma das mais importantes e saudáveis novidades -a vertiginosa queda do número de filhos por mulher, o que alivia a crise social e diminui a pressão por abortos.
Esterilização clandestina não é, óbvio, ideal. A cirurgia deveria fazer parte de um programa de educação e saúde pública, no qual fosse oferecido um leque de opções.
Há registro de cirurgias criminosas; jovens sequer imaginavam que iriam ficar irremediavelmente impedidas de engravidar, muitas nunca tiveram um filho. Políticos em campanha eleitoral oferecem operações em troca de voto.
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A clandestinidade é culpa das autoridades públicas. Não deixaram opção às mulheres pobres que, responsavelmente, limitaram o número de filhos. Apesar de católicas, deram as costas para os argumentos irrealistas de padres, freiras e bispos.
Não menos irrealistas foram as associações médicas que denunciaram os planos de esterilização em massa, quando Paulo Maluf ofereceu, há um ano, programa gratuito para homens e mulheres.
O prefeito cometeu um crime (repito, crime) ao desmontar ótimos programas lançados por sua antecessora, Luiza Erundina, para a saúde da mulher.
Mas, em compensação, merece elogios pela ousadia de tirar a cirurgia de esterilização da clandestinidade.
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Na campanha eleitoral, Sérgio Motta chamou Paulo Maluf de "ladrão" e "corrupto". Agora, Fernando Henrique Cardoso discretamente apóia Paulo Maluf.
Sobra o seguinte dilema: Motta foi leviano e irresponsável em suas acusações, cometeu crime de infâmia e, portanto, não deveria ficar como ministro.
Ou FHC acredita em seu ministro e, por conta da reeleição, estaria disposto a fazer acordos indecentes.
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PS - Adivinhe de quem é a seguinte frase: "Tive de viver 56 anos para ver uma aliança como a de Erundina com Maluf". Dica: é ministro de um presidente que, agora, faz aliança com Maluf.

E-mail GDimen@aol.com
Fax (001-212) 873-1045

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