São Paulo, quarta-feira, 9 de outubro de 1996
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A dinâmica das lágrimas

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Em agosto, estava indo para a Bienal, o amigo que me dera carona conversava sobre livros, ouvi alguma coisa parecida com "dinâmica das lágrimas". Fiquei ouriçado, fiz perguntas e recebi a explicação. Havia um livro a sair cujo título era "A Dinâmica das Larvas", que, por sinal, aguarda tempo e espaço para ser lido, faço fé nele.
O diabo é que fiquei com aquela dinâmica das lágrimas na cabeça. E embora não tenha projeto de novo livro, esse título está martelando aqui dentro, pedindo providências.
Será roubo de idéia alheia? Lembro que, anos atrás, dei carona a Clarice Lispector, que estava empacada com um livro ainda sem título. Eu publicara o primeiro romance, o segundo ia sair e ela me perguntou o que estava fazendo. Disse-lhe que pensava escrever a história de um padre sem fé, um padre chamado Mateus. O título seria "Paixão Segundo Mateus".
Nenhuma novidade. Título de uma das "paixões" de J.S.Bach, parcela do texto evangélico atribuído a Mateus, não havia como me considerar dono daquela marca. Mesmo assim, no meu segundo livro a editora anunciaria meu terceiro romance, que teria esse título.
Meses depois, Clarice lança "Paixão Segundo G.H". Na dedicatória do exemplar que me enviou, ela agradece a sugestão que involuntariamente lhe dera. Evidente que isso não impediria que eu fizesse a minha própria paixão. Nem fiquei chateado.
Espero que o jovem autor de "A Dinâmica das Larvas" não fique aborrecido nem me processe se por acaso eu encarar a minha dinâmica das lágrimas. Sempre fiquei atônito com o pranto -o dos outros e, eventualmente, o meu. O que há por trás dele? Como se forma? Por que, aparentemente, ele alivia? Alivia mesmo?
No geral, nunca choramos por determinada coisa. Há uma dinâmica que forma a primeira lágrima. As outras chegam por motivos misturados e nem sempre determinados.

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