São Paulo, domingo, 27 de outubro de 1996
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Pequeno fazendeiro explora os filhos

DA AGÊNCIA FOLHA, NO SERTÃO DO ARARIPE

A tradição do trabalho familiar no sertão, criada há décadas pela miséria que ronda a região, faz até pequenos fazendeiros colocarem os filhos de até seis anos em trabalhos duros e perigosos, como o desmatamento e a fabricação de carvão.
Entre as dezenas de famílias nessa situação no sertão nordestino, está a de Severino Pereira da Silva, 55, proprietário de 77 hectares de terra em Trindade (PE).
Ele conta com o trabalho de Márcio, 6, Maciel, 7, Dário, 10, Nando, 12, e Jacira, 14. Essas crianças, todas loiras, um resquício das invasões holandesas ao nordeste no Brasil colonial, ficam negras, tingidas pelo pó do carvão durante o trabalho.
Entre pedaços de jurema (um arbusto) secos e tombados, Márcio, 6, carrega galhos até o forno.
Sacrifício
O sacrifício do trabalho na infância é um dos fatores que determinam a expulsão dos jovens sertanejos das propriedades familiares.
A prole de Severino Silva é um exemplo. As três filhas que completaram 18 anos deixaram a fazenda. Uma trabalha na rodoviária de Ouricuri, outra em uma loja da mesma cidade, e a mais velha, já com 28 anos, mora em São Paulo.
"Eu volto aqui e não fico mais que dois dias", diz Najadi, 28. "Passei dias de cão nesse chão duro. Agora chega", continuou.
"Sem o trabalho deles não posso fazer quase nada. Eu comecei a trabalhar pesado nessa fazenda aos 7 anos. De lá para cá, nada mudou. Preferia que eles não trabalhassem", afirmou o pai.
Toda sua produção de carvão é clandestina, sem autorização do Ibama, que no ano passado tentou colocar 56 pequenos proprietários na cadeia por crime contra o meio ambiente, que prevê pena de dois a quatro anos de prisão.
O juiz de Trindade, Luiz Eduardo de Souza Neto, 33, já absolveu 33 deles. Os outros processos ainda não foram julgados.
"Vou absolver todos. O Ibama está se esquecendo que estamos diante de uma crise social. Se esse povo não vender a madeira que tem, vai sobreviver do quê?", questiona o juiz.

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