São Paulo, domingo, 27 de outubro de 1996
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Pólo do gesso cresce com exploração

DA AGÊNCIA FOLHA, NO SERTÃO DO ARARIPE

A miséria sertaneja, aliada ao crescimento desordenado da produção de gesso no sertão pernambucano, está produzindo um foco de exploração ilegal de mão-de-obra de adolescentes no país.
Apesar da proibição contida no Estatuto da Infância e Adolescência para trabalho de menores de 18 anos em profissões penosas, insalubres e perigosas, dezenas de adolescentes entre 14 e 17 anos trabalham carregando e quebrando minério e placas de gesso.
Eles respiram o pó branco e contaminador do gesso, que os impregna. Fazem um trabalho pesado, "tão pesado que só analfabeto quer fazer", segundo define o presidente do Sindicato dos Empresários do Gesso de Pernambuco, Josias Inojosa.
Nas quatro cidades produtoras de 95% do gesso brasileiro -Ipu bi, Trindade, Ouricuri e Araripina- não há instituição ou órgão público que conheça índices de saúde sobre o trabalho de adultos e adolescentes nas minas, calcinadoras e fábricas de gesso.
Há casos em que os pais levam os filhos para auxiliá-los. O menino Tassiano Teixeira de Oliveira, 14, faz de tudo em uma das calcinadoras próxima a Araripina (700 km a oeste de Recife) e nem sequer tem salário.
Oliveira carrega sacos, lenha e ferramentas pesadas oito horas por dia. Para a empresa, ele não existe. Ele passa muito próximo a fornos toscos, uma rotina de constante risco de acidente. Não usa máscara.
Respira o pó de gesso como se fosse o mais puro oxigênio do planeta. Não sabe, por exemplo, que um ano após esse tipo de trabalho sem proteção as pessoas podem contrair doenças pulmonares crônicas.
'Pegando pesado'
"Eu venho para ajudar meu pai que não aguenta fazer todo o serviço", diz o menino. "Ele já tem que ir aprendendo a pegar no pesado, porque nada na vida é fácil", afirmou o pai, Severino Teixeira de Oliveira, 38.
Alguns dos adolescentes são registrados e ganham adicional de insalubridade.
Além do pó, segundo o médico do trabalho, secretário de Saúde de Araripina e perito do Ministério do Trabalho, Salomão Jacó, o barulho das máquinas antigas das calcinadoras e o choque térmico dos trabalhadores são outras fontes de problemas de saúde na região.
Como os adultos, os adolescentes trabalham sem capacete, protetores auriculares, óculos, máscaras, luvas, aventais isolantes térmicos e botas. Essa realidade foi constatada pela Agência Folha em 8 das 56 calcinadoras do Araripe.
Claudinei de Souza, 17, usa um suposto bom argumento para estar carregando meia tonelada de placas de gesso por dia em uma fábrica de Araripina.
"Antes de trabalhar aqui eu fazia de tudo na roça. Um trabalho menos pesado do que esse. Só que eu nunca pegava em dinheiro. Aqui, eu tiro R$ 45,00 por semana."
Em Trindade, médicos cubanos que desenvolvem o trabalho de saúde familiar, consultando pessoas de casa em casa, afirmam que em 40% dos doentes que eles atendem possuem problemas pulmonares.
Porém, dizem que não podem afirmar, com certeza, que o problema é uma consequência do pó do gesso. Queixam-se de falta de recursos para fazer exames laboratoriais mais sofisticados.
A insuficiência de dados é tamanha na região que o governo do Estado criou um programa para estruturar nas prefeituras o cadastramento de nascimentos, mortes e endemias.
O programa constatou que em Ouricuri, por exemplo, o índice de mortalidade infantil foi menor do que o do Japão entre 80 e 91, que é de 5 mortos para 1.000 nascidos. Com um controle mais razoável feito este ano, o índice de mortalidade infantil cresceu mais de dez vezes -54 mortes de crianças com menos de até um ano para cada 1.000 nascidos vivos.
"Ainda estamos longe do ideal. Os dados da região ainda são anárquicos e não nos dão, em nenhuma área de saúde pública, conclusões confiáveis", afirmou o sanitarista Paulo Germano de Frias, 35, coordenador do Projeto Salva Vidas da Secretaria de Saúde do Estado.

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