São Paulo, domingo, 27 de outubro de 1996
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Menino de olaria só sabe primeiro nome

DA AGÊNCIA FOLHA, NO SERTÃO DO ARARIPE

Dono de um nome incomum, Agean, 15, produz 500 tijolos por dia em uma olaria rudimentar de Araripina (PE) para receber R$ 50,00 por mês, menos da metade do salário mínimo vigente no país, que é de R$ 112,00.
A exploração, o sol, a seca, a ignorância por nunca ter ido à escola, tiram a memória do rapaz, que não sabe seu próprio sobrenome e não tem registro de nascimento.
Agean só existe para sua família, para o dono da precária e pequena olaria e para o dono do boteco onde toma pinga.
Por falta de registro, ele não é considerado cidadão pernambucano, nordestino nem do Brasil. Está oficialmente fora do mundo. Seu mundo é a margem da BR-232, quilômetro 530, onde está a olaria, e o trecho de dois quilômetros de caatinga que liga o local de trabalho até sua casa.
Como tantos moradores do Sertão do Araripe, Agean é um cidadão sem pátria. O amassa-barro. O faz-tijolo. Leia trecho da conversa da Agência Folha com Agean:
Agência Folha - Como é seu nome?
Agean - Agean.
Agência Folha - O nome inteiro?
Agean - Só sei Agean.
Agência Folha - Lembra o nome do seu pai inteiro?
Agean - Só sei que ele chama Zé.
Agência Folha - Você está na escola?
Agean - Nunca fui, não.
Agência Folha - Quanto você recebe pelo trabalho?
Agean - O homem me paga R$ 2,00 para cada 500 tijolos que faço no dia.
Agência Folha - Dá para fazer mais de 500 tijolos por dia usando formas de apenas cinco tijolos?
Agean - Dá, não. Só faço 500 mesmo por dia.
Agência Folha - O que você faz com o dinheiro?
Agean - Dou quase tudo para a mãe e o resto tomo umas pingas.
Agência Folha - Você acredita em Deus?
Agean - Só posso acreditar nele.
Agência Folha - Se não tivesse de trabalhar, o que gostaria de fazer?
Agean - Queria ser jogador de futebol.

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