São Paulo, domingo, 27 de outubro de 1996
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Campo do atraso

MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
EDITOR DE DOMINGO

O padrão gerencial do futebol brasileiro é de um atraso tamanho, com suas politicalhas, negócios escusos e ineficiências, que uma solução autoritária para o caso é uma grande tentação -mais ainda quando os caminhos a serem seguidos são tão óbvios.
Um déspota esclarecido! Um Fujimori de chuteiras, que seja! E de uma penada acabar com todo esse entulho arcaico e essa cafajestagem engravatada, que faz e desfaz. Zerar o jogo e erguer novas estruturas, modernas, eficientes, capazes de elevar o melhor futebol do mundo ao nível de organização de uma Espanha ou Itália.
Mas a tentação, evidentemente, deve ceder às regras da democracia. Será no campo do debate, da discussão, do convencimento, que o jogo deverá se desenrolar até acontecer o gol.
É o que já vem acontecendo no caso da lei que pretende extinguir essa aberração chamada passe.
Os debates em torno da proposta de Pelé evidenciam, contudo, que os representantes do atraso não têm a mínima intenção de largar o osso.
Políticos e dirigentes de um Brasil que já deveria estar na lata do lixo promovem espetáculos de estupidez, miopia e mesquinharia para nos lembrar o quanto ainda estamos próximos do subdesenvolvimento mental, da idiotia de província, dos métodos da selva.
O mais curioso é que em outros esportes -com todos os problemas e sem tradição de grandes títulos- o padrão gerencial modernizou-se para atingir, hoje, um grau de profissionalismo que já deveria, há tempos, estar implantado no futebol.
O que têm os dirigentes para oferecer em sua defesa? Campeonatos mal organizados e vazios, clubes falidos, negociatas, jovens jogadores exportados para a Europa, desconforto e violência nos estádios?
É impressionante a inércia conservadora no futebol brasileiro. Não só de dirigentes, mas também de torcedores e de boa parte da chamada "crônica esportiva", que ganha dinheiro extra-jornalismo com empresas de atravessamento de jogadores e vive a bajular dirigentes com o propósito de obter vantagens e evitar mudanças.
Chegamos ao ponto de o Campeonato Espanhol ser mais interessante para os amantes do futebol brasileiro do que os daqui.
Deveríamos entregar, de uma vez, todos os jogadores para a Europa, fechar os estádios e acompanhar pela TV.
Ou, quem sabe, deixar tudo para os americanos -que conseguem fazer um torneio muito mais eficiente que os brasileiros sem a mínima tradição e sem jogadores de peso.
E agora vem a CBF com planos de nova sede, jogatinas e outras presepadas. É de doer.
Pensando bem... Um déspota esclarecido! E bola na rede.

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