São Paulo, domingo, 27 de outubro de 1996
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O controle do FGTS

LUÍS NASSIF

A permissão para que os optantes do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) utilizem seus saldos para aplicar na privatização é relevante por dois motivos.
Primeiro, para conferir lastro ao FGTS e permitir ao trabalhador compartilhar dos lucros advindos da privatização. Sem essa decisão, como dois e dois são quatro, em poucos anos não haverá recursos no FGTS para garantir os atuais depósitos.
O segundo grande objetivo é conferir ao cidadão a cultura do investidor. E cultura do investidor não é uma atitude passiva. Além do hábito da poupança, implica a busca de informações, a capacidade de fiscalizar e escolher os gestores.
Abusos
O Brasil acumulou experiências bem e malsucedidas de gestão de fundos.
No campo dos fundos de pensão fechados (disponíveis apenas aos funcionários da empresa patrocinadora), são inúmeros os episódios de má administração de recursos, por parte daqueles fundos em que as decisões são tomadas isoladamente por funcionários não especializados, sem a assessoria de instituições do ramo.
No campo dos fundos abertos (administrados exclusivamente por instituições financeiras), há um histórico de abusos, com taxas de administração elevadas e a retenção, por parte do administrador, de toda rentabilidade que superasse as taxas da poupança.
Em relação aos fundos 157, a divulgação do recente balanço da CVM (Comissão de Valores Mobiliários) mostrou o enorme desprezo que muitas instituições devotaram a seus cotistas.
Por outro lado, nos últimos anos ocorreu extraordinário avanço na técnica de gestão de fundos.
Aos gestores tradicionais vieram somar-se novos bancos de negócios, trazendo tecnologia de ponta e, nos últimos anos, passando a se especializar na identificação de empresas e setores com alto potencial de rentabilidade.
Tem-se, portanto, o know-how de gestão, e uma série de experiências anteriores, muitas malsucedidas.
Princípios
A partir desse conjunto de informações, os novos fundos que irão administrar o FGTS da privatização deveriam ser formados em torno dos seguintes princípios de segurança:
1) Gestão compartilhada
A regulamentação dos fundos de investimento prevê a existência de uma assembléia de cotistas soberana, com poder inclusive para demitir o administrador.
Essa prerrogativa não é exercida em fundos abertos, dada a heterogeneidade dos investidores.
Com os novos fundos, será possível que sindicatos e grupos de investidores se unam em torno de clubes de investidores, com personalidade jurídica própria, para atuar em bloco sobre a administração do fundo.
Mantém-se o direito do investidor de mudar de administrador após um ano. Mas permite-se que cada um desses grupos possa demitir o administrador a qualquer momento.
2) Não segregação do fundo
O 157 foi massacrado porque era um fundo segregado.
Se a intenção é estimular poupança de longo prazo, e como vão ser mantidas as regras de resgate do FGTS, o ideal seria estabelecer uma regra que permitisse que os recursos integrassem o patrimônio de fundos de pensão convencionais.
Qualquer prejuízo ao fundo afetaria a imagem da instituição como um todo.
3) Propaganda
O mais importante é proceder-se a um amplo trabalho de esclarecimento em nível nacional para sedimentar a cultura do investidor.
E garantir o mais amplo sistema de informações, de maneira a permitir ao investidor situar-se e exercer seu poder de escolha sobre o fundo que vai administrar seus recursos.
Caso Bodega
Ocorre um episódio traumático -como a morte dos rapazes em um bar de São Paulo. Segue-se um clamor popular, exigindo justiça a todo custo.
Pressionada, a polícia encontra a maneira mais fácil de livrar-se da pressão: identifica um suspeito qualquer e com a novíssima tecnologia do pau-de-arara obtém a confissão que quiser.
Cometem-se dois crimes. Um, de desrespeito aos direitos dos acusados. O outro, de serviço malfeito, já que os verdadeiros criminosos podem estar soltos.
Interferir nesse processo é um risco. Porque o clima de linchamento faz com que a sede de vingança seja irracional. Não importa quem é o punido, importa que qualquer um seja punido.
Orgulho
O promotor que recomendou a libertação dos suspeitos poderia ter mantido a condenação. Não correria risco algum, já que o ato de prisão preventiva foi do delegado que presidiu o inquérito.
Ao sugerir a libertação dos acusados, corre um risco objetivo. Se, mais à frente, constatar-se que os acusados eram culpados, vai ver-se em palpos de aranha perante a opinião pública.
Reside nessa capacidade de correr riscos, em nome de convicções pessoais, e da defesa de direitos individuais -especialmente de pessoas sem condições de defesa-, a marca de um grande homem.
O promotor engrandece o Ministério Público e é motivo de orgulho para o Estado de São Paulo.

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