São Paulo, segunda-feira, 28 de outubro de 1996
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Gaiatos charmosos enganam solitárias

ISABELLE SOMMA
FREE-LANCE PARA A FOLHA

"Journeys end in lovers meeting", escrevia William Shakespeare. Invertendo essa máxima, solitárias turistas de saias estão encontrando mais gatunos do que conquistadores nos principais pontos turísticos europeus.
Com simpatia e muitos gracejos, os bonitões abordam as candidatas a vítima em parques e praças movimentadas.
Convidam para uma bebida ou oferecem sua companhia para um passeio. A melosa proposta é quase sempre irresistível. Mas, muitas vezes, a intenção é bem diferente da imaginada.
O último verão europeu foi pródigo em golpes do gênero. Uma estudante venezuelana de 31 anos foi protagonista de um desses casos na Plaza Mayor, movimentada praça madrilena.
Segundo revelou à imprensa local, um sujeito bem vestido tentou pagar o serviço de um engraxate com uma cédula muito alta.
Diante da recusa do garoto, o desconhecido dirigiu-se à estudante perguntando se ela poderia trocar a nota. Solícita, a turista pagou o serviço.
Como forma de agradecimento, o desbriado a teria convidado para uma "cerveza". Enquanto bebiam, ele contou uma trágica história de abandono e solidão. Ela chegou às lágrimas.
Alguns copos e beijos depois, ela foi ao banheiro. Ao voltar, o simpático paquera lhe ofereceu uma tequila, que já estava na mesa.
A partir daí, a estudante começou a sofrer uma terrível crise de sono. Pediu para ser levada de táxi para a casa de uma amiga, onde estava hospedada.
Chegando lá, foi carregada e colocada no sofá. O desconhecido pediu para a dona da casa comprar um refrigerante.
Horas depois, ao acordar, a venezuelana não encontrou mais o amigo. Nem seu passaporte, cartão de crédito, algumas pesetas e US$ 300 em cheques de viagem.
Roubo com romance
Em Roma, a abordagem é mais direta. À beira da Fontana di Trevi, o cortejador se apresenta e, em sua própria língua, despeja uma enxurrada de galanteios.
Depois de minar todas as defesas da vítima, se oferece como guia turístico. Bem vestido e perfumado, sua oferta é tentadora.
Terminado o passeio romântico, insiste em marcar um "apontamento" à noite. Destino: Ostia Antica, um balneário a poucos quilômetros da "cidade eterna".
A diferença é que, geralmente, os larápios italianos dão o desfalque depois de desfrutar alguns momentos de romance com a sua vítima recém-conquistada.
Crime ao sol
Nas ruelas da antiga judiaria, em Sevilha (Espanha), uma mulher sozinha com um mapa na mão também chama a atenção. Mas não por seus atributos físicos.
Durante o horário da "siesta", apenas turistas e cachorros loucos conseguem suportar o sol. E é nesse horário que os gatunos agem.
A caminho de uma igrejinha, uma turista brasileira ouviu gracejos de um belo jovem. Não deu ouvidos. No caminho de volta para o hotel, continuou a ser seguida pelo estranho, que agora estava acompanhado de um comparsa.
Algumas quadras adiante, ambos a ultrapassaram e se postaram à sua frente.
A apavorada viajante tinha duas opções: voltar pelo mesmo caminho deserto, que até então percorrera, ou entrar no convento Santa Inês, cuja porta estava aberta.
Ao optar pelo convento, a brasileira teve uma surpresa. O local era um pequeno hall com apenas uma janela, único meio de comunicação das freiras, que vivem enclausuradas.
Depois de trancar e assaltar a solitária viajante, a dupla ainda fez um gracejo.
Gaiato de branco
Mas existem abordagens ainda mais criativas. No parque do Retiro, no coração da capital espanhola, um conhecido gatuno local apresenta-se como médico de outra região que está na cidade para um congresso.
Diz trabalhar com crianças excepcionais e estudar uma maneira para que seus pacientes sejam treinados para fazer tarefas cotidianas "pelo poder do pensamento".
Diante do interesse demonstrado pela interlocutora, o suposto médico propõe um teste, que, segundo ele, o ajudará a concluir sua pretensa pesquisa.
Durante cinco minutos, a viajante deverá forçar, apenas com pensamentos, uma visita ao banheiro.
Depois de alguns minutos, ele convida a turista-cobaia a se juntar aos outros pesquisadores. A vítima concorda. Só que, à medida que ambos se afastam do centro do parque, a noite vai caindo.
A partir de então a conversa muda. O falso médico diz à já perplexa vítima que precisa cronometrar em quanto tempo ela faz suas necessidade fisiológicas.
Tudo pela pesquisa.
Realmente é difícil acreditar que alguém já tenha caído nesse golpe, mas, segundo policiais locais, no último mês de julho foram feitas pelo menos duas queixas contra o gaiato de branco.

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