São Paulo, domingo, 3 de novembro de 1996
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Ex-menino de rua revê vida marginal na USP

ARMANDO ANTENORE
DA REPORTAGEM LOCAL

O professor Roberto da Silva, 39, defenderá, dentro de dez dias, uma tese de mestrado na USP (Universidade de São Paulo) que servirá de referência para um processo judicial inédito contra o Estado.
O pesquisador -que cresceu em internatos públicos e passou pelo complexo penitenciário do Carandiru- responsabiliza o Estado por desagregar sua família e conduzi-lo à marginalidade. Quer, agora, uma indenização.
Quando tinha 5 anos, em março de 1963, Silva ingressou no Educandário Sampaio Viana (região central de São Paulo). Acabara de ser abandonado pela mãe, junto com três irmãos.
Na época, o internato já estava sob controle do governo, mas só em 1976 se converteu numa das unidades da Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor (Febem).
O menino se criou sob a tutela estatal, separado dos irmãos e sem saber onde eles se encontravam.
Os orfanatos lhe sonegaram tantas informações que, ainda hoje, alimenta dúvidas sobre a data de seu nascimento.
Em 1973, com 16 anos, deixou o último internato, o Instituto Modelo de Menores, no Tatuapé (zona leste da capital).
Estava terminando a 6ª série do 1º grau.
Sem dinheiro, começou a morar nas ruas, desistiu do ginásio e se tornou criminoso.
Foi preso três vezes. Entre 1979 e 1984, cumpriu penas que somaram quatro anos, sempre na Casa de Detenção (Carandiru, zona norte). Livre, deseja "ajustar contas com o passado".
Saiu à procura da família e já achou dois irmãos. Depois de retomar os estudos, se formou em pedagogia no Mato Grosso.
Escolas do crime
Trabalha, desde agosto, como professor de administração escolar. Patrões, alunos e muitos amigos desconhecem o que viveu.
A tese que defenderá dia 13, na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, finalmente tornará pública sua história.
E mostrará que, como o pesquisador, outros meninos criados sob a proteção do Estado viraram "foras-da-lei", mesmo sem ter nenhum histórico familiar de marginalidade.
"Os internatos são escolas do crime porque impõem a violência como elemento regulador das relações entre os garotos", diz Silva.
"A tese retrata com precisão um sistema ainda em vigor, mas sabidamente equivocado", reconhece Eduardo Domingues, presidente da Febem.

LEIA MAIS sobre a tese nas págs. 6 e 7.

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